6 de janeiro de 2013

CONTO — CRAIG RICE

O MOTIVO

— Minha cara senhora — disse John J. Malone suavemente — eu sou o seu advogado. Pode confiar em mim.
A jovem senhora fitou-o com os olhos castanho-escuros muito arregalados e abanou a cabeça, desesperada.
— E lembre-se — acrescentou Malone — que o Dr. Cramer, aqui ao nosso lado, é o seu psiquiatra. A partir deste momento pode já a confiar nele.
Ela abanou novamente a cabeça. Era uma coisinha adorável com o rosto em forma de coração e os cabelos castanhos em ondas.
“Coloque-se isto em frente de um júri — pensava Malone consigo mesmo — e depois será suficiente arranjar um bom motivo.”
O Dr. Cramer tocou gentilmente nos seus ombros. Era, um homem alto, simpático, de cabelos grisalhos, com gestos e fisionomia que inspiravam confiança.
— Vamos, minha, amiga — disse — diga ao Dr. Malone o que aconteceu, como e porquê. Estamos aqui para a ajudar…
— Afinal de contas — acrescentou Malone — não queremos vê-la na prisão para o resto da vida. Ou — acentuou com propositada brutalidade — na cadeira eléctrica.
Sorriu, assumindo um tom diferente:
— Não se preocupe. Até hoje, nunca perdi uma causa.
Ela levantou os olhos e falou pela primeira vez:
— Sim, senhor Malone. Matei o meu marido. Tinha de fazê-lo.
— Espero que não tenha dito isso à polícia — proferiu o advogado, ansioso.
 — Não disse ainda a ninguém. Matei-o com o seu próprio revólver. Roubei-o e pratiquei durante várias semanas, para não correr o risco de errar.
Malone quase gemeu. Ali estava o seu caso:
— Quer dizer que não foi um impulso momentâneo? Não foi uma coisa repentina? — perguntou.
Ela abanou a cabeça encantadora:
— Planeei tudo durante muito tempo, senhor Malone. Era uma coisa que eu tinha de fazer, compreende?
— Mas porquê? — insistiu Malone.
— Porque ele estava a enlouquecer-me.
“Bem, isso podia ser um óptimo motivo, desde que o júri fosse escolhido” pensou Malone.
— Como? — perguntou Malone.
— Ele soprava anéis de fumo pelo nariz — respondeu ela, perdendo os sentidos em seguida.
O advogado gritou pela enfermeira de serviço na prisão e disse ao Dr. Cramer:
— Parece-me que não percebi bem o que ouvi.
Uma hora depois, na confortável segurança de uma mesa de bar, Malone disse:
— Acho que preciso de outra bebida. Ambos precisamos, E eu preciso também de muitas explicações.
O grande psiquiatra bebeu a sua bebida e fez uma careta:
— Ela procurou-me há algumas semanas, como uma criança assustada. O seu único problema era que o marido soprava anéis de fumo pelo nariz. Tentei encarar o caso pelo lado divertido, brincando com ela. Perguntei-lhe se soprava anéis quadrados e da abanou negativamente a cabeça. Perguntei-lhe se: eram circulares e o gesto também foi negativo.
Malone debruçou-se na mesa para ficar mais perto:
Acho que nenhum júri no mundo seria capaz de condená-la comentou. — Mas conte o resto.
Continuei a perguntar-lhe se ele soprava anéis de fumo oblongos e ela sacudiu a cabeça, começando: a chorar, Então exclamou: “Dr. Cramer, ele soprava anéis de fumo comuns, redondos. Mas soprava-os pelo nariz”.
O psiquiatra deteve-se para acender um cigarro. Tentei animá-la, dizendo-lhe: “Minha querida, não precisa de se preocupar com isso. Neste mundo deve haver centenas de milhares 'de homens que sopram anéis de fumo pelo nariz”.
O advogado assentiu com a cabeça:
— Concordo plenamente.
E secretamente Malone tomou a resolução de experimentar também esses tais anéis.
E depois, que aconteceu?
Ela entrou em pânico, um pânico completo — disse o Dr. Cramer. — E a sua resposta foi, a seguinte: “Sim, eu sei isso. Há provavelmente centenas de milhares de homens que sopram anéis de fumo pelo nariz. Mas compreenda-me: O meu marido não fuma”.

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