(texto deixado escrito e assinado pelo cabo Jeremias, no seu “soi disant” caderno de memórias).
Quero desde já fazer uma declaração de interesses: não tenho
nada contra os ciganos, nem contra os pretos nem contra os romenos, não os discrimino.
Quando é para dar porrada levam todos sem discriminação!
Para mim não são raças menores pelo simples facto de não
serem raças, são etnias.
Ora eu não sou racista, sou contra as etnias. Faz toda a
diferença. Não é pecado, nem ilegal.
O meu nome é Jeremias. Sou o cabo Jeremias − cabo de esquerda do posto do Alto do Pina. Pratico a religião católica, quando não
estou de serviço. Serviço é serviço, conhaque é conhaque. Mai nada!
Ando a estudar à noite psicologia numa dessas Universidades
Novas que dão o canudo com uma certa elasticidade visto que o que o País
precisa é de gente formada!
Gente culta, por assim dizer. Melhor dizendo gente acanudada.
Mesmo para dar porrada é preciso um curso! Vejam lá!
Para lidar com a etnia cigana é preciso dominar a técnica do
toca e foge. Um misto de candomblé, de kung-fu e taekwondo com um cheirinho de
karaté.
Por causa dessa etnia que dizem os conhecedores tem origem
na longínqua Índia, daí a cor meio monhé dos ciganos que muitos dizem ser
resquícios dos indianos mas que eu penso seriamente ter origens nos sóis do
Alentejo, nas feiras a vender burros.
Certo certo é que eles usam facas afiadas, adoram rixas e
usam golpes baixos.
Por mor disso, no meio duma refrega que me vi no ano
passado, acabei no hospital de Beja com uma facada num testículo que me levou a
ser cerzido, pacientemente, por uma moça
enfermeira uma boa hora, a frio. Foram
bem uns dez centímetros de ponto cruz.
Não vos conto as dores que tive. Não as desejo ao meu maior
inimigo!
É por essas e por outras que não gosto particularmente da
etnia cigana. E tenho as minhas razões.
Agora já não me apanham. Uso as mesmas defesas que os
guarda-redes do hóquei em patins umas “coquilles”. Como se fossem duas cascas
de nozes.
Agora já não há cigano que me meta medo!
Venham eles! Quantos são? Quantos são?
A. Raposo
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