21 de dezembro de 2012

CALEIDOSCÓPIO 356

Efemérides 21 de Dezembro
Lawrence Treat (1903 - 1998)
Lawrence Arthur Goldstone nasce em New York City, EUA. Advogado de formação, ensina escrita de mistério na Universidade de Columbia e é um dos fundadores dos Mystery Writers of America. Editor e escritor policiário, assina a sua obra com o pseudónimo Lawrence Treat. É autor de mais de 300 contos de mistério /detective e de duas dezenas de romances. Cria diferentes personagens, o comandante Bill Decker, Carl Wayward, um professor de psicologia e Mitch Taylor, um polícia veterano e o seu parceiro Jub Freeman, um descontraído perito forense. Lawrence Treat é reconhecido como o pai de um novo género de romance policiário: modern police procedural. A sua narrativa difere da tradicional história de detective centrada em torno de uma única figura principal, para se desenvolver em torno de um grupo alargado de detectives do departamento da polícia, os seus conflitos internos e problemas familiares. O autor publica também enigmas policiários na sua maioria ilustrados, Crime Puzzlement, onde o leitor pode resolver através da lógica e da observação de pistas. Lawrence Treat vence por duas vezes o Edgar Award: em 1965 com o conto H As In Homicide e em 1978, um Special Edgar Award pela nova edição de Mystery Writer's Handbook, — publicado pela 1ª vez em 1956 — um guia dos Mystery Writers of America para os aspirantes a escritores policiários.



TEMA — CONTO POLICIÁRIO DE LAWRENCE TREAT — ANDY E O CRIME NA BAÍA TRANQUILA
Adaptação de M. Constantino
O Chefe de Polícia Andrew Burma não era exatamente um homem experiente na investigação de homicídios. Com 4000 dólares por ano, que era salário oficial, a cidade de Baía Tranquila também não podia esperar outra coisa.
Embora Andy jamais tivesse frequentado uma universidade, era um mestre em estatística. A habilidade viera-lhe naturalmente, como escrever com a mão esquerda ou uma ampliação do campo normal de visão, e ele usava seu talento para o bem comum.
O resultado era que Baía Tranquila tinha a taxa de crime per capita mais baixa da América. E parecia uma vergonha que um registo tão bonito viesse agora a ser maculado por um assassinato.
Andy recebeu a notícia na manhã seguinte. Rudy Driver, que fora à casa dos Maxfields ver o que podia fazer sobre a avaria que surgira no frigorífico deles, encontrara o corpo da Sra. Willie na erva alta, a alguns metros da estrada. Voltou à cidade e contou a Andy.
Andy estava de saída para uma ida ao depósito. Val ouvira falar de uma estante de música, que desejava e, há uns dois dias atrás pedira a Andy que fosse até lá buscá-la.
Adiara até aquela manhã. Mas uma investigação de um homicídio, contudo, passava à frente dos caprichos de Val, portanto foi buscar o Dr. Morton, o médico legista do município e os dois se dirigiram a Ponta Vermelha para dar uma olhada. A fim de impedir que o carro estragasse qualquer possível indício, Andy estacionou a uma distância considerável do corpo. Estudou o terreno à volta, enquanto o Dr. Morton se ajoelhava para fazer seu exame médico.
Após uma pausa conveniente, o Dr. Morton declarou o óbvio.
— Está morta — disse — Parece que recebeu uma pancada violenta na cabeça.
— Quando?
— Ontem à noite.
— Não me parece estar muito bem vestida — observou Andy.
O Dr. Morton endireitou o roupão curto de veludo que era a única roupa que a morta vestia.
— Pobre Sra. Willie — disse ele, e com essa observação sentimental retirou-se do caso. Exceto, é claro, pela autópsia, que não acrescentou nada ao que já se sabia.
Andy olhou para o corpo e anotou alguns detalhes. O corpo estava caído entre o mato, a uns oito metros da estrada. A vegetação entre o corpo e a estrada estava revolvida, como se o coroo tivesse sido arrastado desde a estrada. Contudo, quem passasse de carro dificilmente notaria qualquer coisa fora do comum. Nada mais havia a assinalar no rasto na areia, nem no terreno onde crescia o mato. Nem marcas de pneus, nem marcas de sapatos — nada. Era como se tudo tivesse acontecido na superfície da água. E também não foi encontrado nenhum vestígio da arma do crime.
Andy levou o Dr. Morton de volta para a cidade. Lá chamou a Polícia Estadual. Disse-lhes o que acontecera e solicitou a vinda de um perito para o ajudar. Então voltou para Ponta Vermelha, deixou carro a bloquear a estrada e dirigiu-se para as casas que ficavam na praia. Falou com vários moradores do local, mas antes de falar com eles arranjou forma de examinar os seus carros.
Não encontrou nenhum amolgado, nenhum farol quebrado, nenhum indício de que qualquer veículo tivesse atropelado a Sra. Willie.
Esperara poder provar que ela morrera acidentalmente e que, de uma maneira ou de outra, o motorista causador do acidente não sabia o que acontecera.
Não tendo encontrado provas de um acidente automobilístico causado por algum dos moradores de Ponta Vermelha, Andy concluiu que ou um deles a agredira e a ferira até a morte, ou então um estranho estivera em Ponta Vermelha e assassinara a Sra. Willie.
Andy fez suas perguntas judiciosamente, sem revelar nenhuma informação. O resultado foi ficar a saber que todos os moradores de Ponta Vermelha tinham comparecido na festa dos Maxfields, que ninguém vira nenhum estranho, que ninguém vira a Sra. Willie desde a manhã anterior, que ninguém tinha ido à cidade, com a única exceção de Titus van Warner, que foi justamente quem forneceu esta informação.
Possuía dois carros, o conversível grande e vermelho ficava parado diante da sua casa durante todo o verão, como para fazer propaganda ao seu status. Mas quando ia à praia, era sempre no seu jipe que guardava numa pequena encosta que havia atrás da garagem.
Antes de falar com Titus, Andy examinou cuidadosamente o jipe de praia. Não encontrou nenhum sítio amolgado. Com o polegar, Andy fez pressão sobre o metal, da carroçaria. Franzindo a, testa, afastou-se, e aplicou um tremendo pontapé no guarda-lamas do lado direito. A mossa resultante ^deixou-o satisfeito.
Andy voltou, passando pela garagem. A porta da garagem estava parcialmente aberta e espreitou para dentro. Lá, desafiando-o a entrar e levá-la, estava a estante de música de metal que Val lhe pedira tanto. Atrás dela estava a cadeira de ferro trabalhada que ela lhe dissera para ir buscar ao ferro-velho há umas duas semanas, mas que já tinha desaparecido quando ele tinha ido buscá-la. Inclinada sobre a cadeira estava a tampa de mesa de mármore que Val também desejara e que igualmente desaparecera antes que Andy pudesse ir. Contudo, não houvera nenhuma desonestidade, uma vez que Titus tinha inteiro direito de coleccionar as mesmas coisas que Val.
Bateu de forma autoritária à porta da frente.
Titus abriu-a e saiu antes mesmo de começar a falar, como se tivesse boas razões para manter Andy do lado de fora. Andy recuou.
Titus usava calcões vermelhos sobre as pernas compridas e ossudas e uma blusa de malha azul bastante larga. Respondeu às perguntas de Andy devagar e com cortesia. Sim, ele fora à cidade de automóvel na véspera. Estivera numa festa do outro lado da cidade e voltara depois das seis. Mais tarde fora à festa dos Maxfields. Não, não vira a Sra. Willie ontem, nem notara nenhuma luz na sua casa.
Andy franziu a testa.
— Sr. van Warner — disse ele, baixando o tom da voz — gostaria de avisá-lo de que a Polícia Estadual estará aqui dentro de pouco tempo Aceite o meu conselho e não lhes mostre o seu jipe de praia.
— Isso é muito gentil de sua parte — disse Titus. Contudo por que razão haveriam de querer vê-lo.
— O senhor descobrirá, e ficará bastante satisfeito por eu tê-lo avisado.
— Realmente, senhor — disse Titus — fico-lhe agradecido. Se, talvez, eu pudesse pagar-lhe de alguma forma…
— Basta mandar para o Fundo de Pensão — disse Andy — Ao meu cuidados
— Talvez — disse Titus — fosse mais simples entregar-lhe já
Ofereceu-lhe uma nota de dez dólares.
Quando chegou o Cabo Finnegan da Polícia Estadual, acompanhado por um assistente, o corpo foi fotografado de todos os ângulos, tiraram amostras de cada fiapo de relva e dedicaram um rolo fotográfico inteiro à estrada e aos arredores. Examinaram minuciosamente tudo e arrancaram algumas amostras onde acreditavam que poderiam encontrar vestígios de sangue. Tiraram moldes e extraíram amostras de lugares onde Andy nada vira que merecesse atenção.
Manteve-se afastado enquanto Finnegan interrogava os moradores de Ponta Vermelha, um de cada vez. Finnegan explicou que houvera um homicídio e  que precisava da cooperação deles. Examinou todos os carros, com exceção do jipe de praia de van Warner, que estava escondido atrás da garagem.
Depois de Finnegan terminar foi conversar com Andy.
— Vamos verificar as provas físicas de que dispomos — disse Finnegan — Quer que o ajude em mais alguma coisa?
Andy abanou a cabeça e disse:
— Creio que posso cuidar do resto sozinho. Parece que Charlie Yates e Rudy Driver foram os únicos não-moradores que passaram por aquela estrada.
A Sra. Willie não tinha inimigos. Todos gostavam dela, exceto quando estava embriagada.
O próximo trabalho de Andy foi fazer o levantamento dos movimentos da Sra. Willie no dia anterior, tarefa que acabou por se mostrar bastante fácil. De manhã ela caminhara desde Ponta Vermelha, até à estrada principal, onde apanhara boleia com Artie Hallock. Saíra do Bar da Areia pouco antes das seis e depois ninguém sabia para onde fora.
Em casa, Val comentou com Andy, que ele passara o dia a investigar e não se lembrara da estante de música.
Andy sorriu.
— A estante de música está em lugar seguro e posso Ir buscá-la quando quiser. E mais, sei exactamente como a Sra. Willie foi morta e quem a matou. O meu problema é como prová-lo.
A expressão de Val abrandou-se numa espécie de temor.
De manhã Andy saiu para Ponta Vermelha. Entrou em casa de Willie, encaminhou-se até à sala e pegou na moldura com a fotografia do setter branco e preto. O nome, Bonnie, escrito num canto a lápis, não lhe disse nada. Abriu as gavetas e começou a revirar tudo. Não encontrou fotografias, nem cartas, a não ser coisas pessoais quase anónimas.
Foi até à casa do Titus e bateu confiantemente na porta. Como ninguém respondesse, entrou. A primeira coisa que lhe chamou à atenção foi a desordem do lugar; a segunda foi a fotografia na parede. A fotografia do setter branco e preto. Escrito em um canto estava o nome, Bonnie.
Andy ficou atónito. Titus e a Sra. Willie — casados e divorciados, ambos a morar na mesma comunidade? E a fotografia de Bonnie, o animal que ambos adoravam? À medida, que pensava, tudo se tornava claro. O ex-marido, a morar na casa ao lado, pagava a pensão em dinheiro.
Titus, quase quebrado, desesperado, sem emprego e sem dinheiro, decidira que a única forma de se livrar daqueles pagamentos, que o angustiavam ainda mais, era livrar-se da Sra. Willie.
Andy estava tranquilamente sentado dentro da casa, embalando-se suavemente numa cadeira de balanço, quando o proprietário entrou. Titus parou embaraçado.
— Espero — disse — que esta visita não seja, oficial.
Andy fingindo não compreender a pergunta latente.
— Estava a perguntar a mim mesmo — disse Andy — como é que o senhor tem aquela fotografia do cachorro Bonnie.
— Foi uma oferta de Willie — disse Titus — Ambos eramos loucos por cachorros, e tínhamos conhecido melhores dias antes de virmos morar para aqui.
— Juntos? — Perguntou Andy.
Titus passou a mão pelo rosto.
— O alcance da sua observação escapa-me.
— Não se importe — disse Andy — Sabe como foi morta a Sra. Willie?
Titus não respondeu.
— Digo-lhe como — prosseguiu Andy — Ela foi atropelada pelo seu jipe de praia. Foi atingida por aquela estante de música de metal amarrada ao para-choques da frente. Estou certo?
— Talvez tenha sido um acidente — disse Titus.
— Gostaria que fosse assim, mas a Sra. Willie foi morta deliberadamente. Depois de ter sido atropelada, o seu corpo foi arrastado para a beira da estrada e escondido no meio do mato. A estante de música deverá apresentar marcas do choque, e o pessoal do laboratório da polícia não terá dificuldade em prová-lo. Quanto ao motivo, certidões de casamento e sentenças de divórcio são documentos públicos. Ela foi assassinada para por um fim aos pagamentos da pensão a que tinha direito. Isso é o que eu penso, Sr. van Warner.
— Sem dúvida, disse Titus. Mas porque me diz isso tudo a mim? Simplesmente porque Shirley Maxfield me pediu o carro emprestado muitas vezes e guardava as coisas que ia buscar depósito na minha garagem. O marido de Shirley é que foi casado com Willie e pagava uma pensão que pesava no orçamento dos Maxfields. Não creio que o que acaba de dizer me diga respeito.
Andy engoliu em seco. Tirou do bolso a nota certa.
— Aqui estão os dez dólares de volta — disse— Parece que cometi um erro.
E dirigiu-se para a casa dos Maxfields para efectuar uma prisão.
Não obstante, mesmo após a detenção e a confissão da Sra. Maxfield, os sentimentos de Andy estavam confusos. Por um lado sentia-se triste por não ter ido buscar a estante para Val, antes de se tornar numa arma de crime, mas por outro lado, acabara de resolver um homicídio e a cidade certamente iria oferecer-lhe um aumento.

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