4 — DESTAQUE PARA O DR. WATSON (Conclusão)
Esta
“fixação” por James generalizou-se por muitos escritores, apontando-se a Mary,
não só um amante James, mas vários. A título de exemplo, Loren D. Estleman,
escritor americano, nascido em Michigan a 15 de Setembro de 1952, publica um
pastiche “Dr. and Mrs. Watson at Home”, uma peça teatral de um só acto, que põe
em cena John e Mary Morstan Watson.
Transcrevemos
parte de um texto elucidativo:
A cena
representa a sala de estar do casal. Mary, aborrecida, faz um bordado. Watson
entra e beija Mary na testa:
Watson
— Olá, bonequita!
Mary
(sem entusiamo) — Olá James.
Watson
— John. Chamo-me John…
Mary —
Ah, sim, esquece-me sempre.
Watson
— Por que continuas a chamar-me James, depois de tantos anos de casamento?
Mary — Como
não confundir-me. Toda a gente com quem te relacionas se chama James. James
Phillimore, James Mortimer, James Lancaster. Os três irmãos Moriarty…
Watson
contrariado sai de cena. Mary toma atitude de quem escuta, suspira e pega no
telefone.
Mary —
O Professor Moriarty, por favor (espera). Está, Jimmy? Mary. Saiu, não volta
até tarde. Estás livre esta noite? Esplendido! Como? Uma monografia? Sim, de
qualquer modo gostava de a ver. Sim, encanta-me discutir “A dinâmica do teu
Asteróide”. Contarei
os minutos. Adeus, amor!
(Desliga
sorridente)
A
partir da visita de Holmes, Junho de 1889, no decorrer de “O Homem do Lábio
Torcido”, Watson, por saudade ou gosto de aventura, ou porque a sua conta
bancária se encontra muito depenada, embora o consultório sob a sua exploração
tenha ganho clientes (esta é a opinião de Baring-Gould) acede acompanhar o
detective, não alterando o seu padrão de vida de casado e dando assistência à
clínica — sempre que era solicitado, chegando a ficar em Baker Street 221B
durante os quinze dias de férias da Sr.ª Mary Watson.
Ilustração de Sidney Paget |
Em 4
de Maio de 1891, dia em que Sherlock Holmes desapareceu nas águas profundas das
cataratas de Reichenbach, próximo do lugarejo de Rosenlaui, na Suiça, Watson
lamenta em “O Problema Final”, a tragédia do amigo e companheiro, “É com o
coração angustiado que pego na pena para escrever estas últimas e escassas
palavras com que registarei os dotes excepcionais que sempre distinguiram o meu
amigo Sherlock Holmes”. Lembra que se esforçou por narrar as estranhas
experiências adquiridas na companhia daquele, desde “Um Estudo em Vermelho” e
recorda ao leitor que depois do seu casamento as relações assíduas que
mantiveram, rarearam consideravelmente, pois Holmes apenas de tempos a tempos,
quando desejavas companhia nas investigações, o procurava, sendo que no
transacto ano de 1890 apenas considerava o registo de três ocasiões. Assim, foi
com surpresa que o viu encontrar no consultório, em 24 de Abril, algo
perturbado, apresentando-se mais pálido e magro do que o habitual. “Nunca o vi
com medo mas, naquela altura, parecia-me assustado. Perguntou-me se já ouvira
falar do professor Moriarty e, ao confessar-lhe que não, explicou-me que era um
genial criminoso, o Napoleão do Crime, um cérebro de maior grandeza que agia
livremente nas ruas de Londres sem ser caçado”. Holmes conseguira provas que ia
entregar à polícia e estava a ser perseguido implacavelmente. Naquele mesmo dia
já escapara a três atentados: uma caroça de transporte de madeira com os cavalos
a galope viera sobre si, salvando-se por uma fracção de segundos, ao atravessar
Vere Street um tijolo fora projectado de um telhado esfarelando-se a seus pés,
por último fora agredido à cacetada, conseguindo dominar o malfeitor e
entregá-lo à polícia. Holmes convidava Watson a ir com ele para o continente
alguns dias, até que a polícia londrina capturasse todo o bando chefiado por
Moriarty, que já tivera a ousadia de ameaçar Holmes na sua própria casa.
Combinaram embarcar, separadamente, dirigindo-se a Paris e daí para Suíça, onde
se hospedaram numa pequena povoação próxima das cataratas de Reichenbach que
visitaram. Foi durante essa visita que Watson foi chamado de urgência para
tratamento de uma senhora inglesa no Hotel.
Quando
descobri que o pedido era falso voltou a correu para junto do amigo, em vão
gritou por ele, apenas encontrou uma carta de despedida do famoso detective a despedir-se pois ia enfrentar Moriarty e ambos haviam desaparecido. Destroçado,
tentando esquecer a morte — confirmada pelos jornais, se bem que não houvessem
encontrado o corpo — “do homem melhor e mais inteligente que conheci”. O Dr.
John H. Watson regressou a Inglaterra e à rotina do seu consultório. Algo mais
lhe estava reservado: no fim desse\ano ou princípios do seguinte, a morte da
esposa. Segundo Baring-Gould sempre muito esclarecido, a morte de Mary Watson,
resultante de problemas de coração, contudo, para Rodolfo Martinez (1965) no
capítulo VIII de um colossal pastiche,
fixa textualmente a morte em 1 de Março de 1893, de uma epidemia de gripe.
Nesse mesmo pastiche Watson comenta:
“Nada pode apagar a dor motivada pela perda da minha mulher, a quem amei com
toda a minha alma. Formosa e inteligente, culta, infinitamente paciente com as
minhas excentricidades e as de Sherlock Holmes, Algo que conseguisse dizer
acerca dela seria apropriado para poderem ter uma ideia acerva do que Mary
significava para um solteirão de hábitos desordenados que eu era”. No canon, em circunstâncias imprevistas e
breves palavras confirma-se a morte de Mary. Acontece que, depois do Hiato (4
de maio de 1891 a 5 de Abril de 1894), nesta última data, Sherlock Holmes, como
por milagre e grande surpresa de Watson e do mundo, durante a narrativa de “A
Casa Vazia”, que serve de parco ao encontro dos dois antigos amigos e onde
Watson “desmaia pela primeira vez na vida”. Este fica a saber eu Holmes não
perecera nas cataratas e sabia do falecimento de Mary, escreve: “Ele soubera do
meu desgosto e manifestou a sua solidariedade mais pela atitude do que por
palavras”. “ — O trabalho é um antidoto para a tristeza, caro Watson!” E nessa
mesma noite o companheiro e biógrafo teve ocasião de presenciar o trabalho do
detective, a prisão do coronel Moran, lugar tenente do Professor Moriarty e
assassino do jovem Lord Ronald Adair, em 20 de Maio de 1894. Naturalmente que o
encontro deu lugar a explicações de ordem vária, das quais resultou que Watson
voltou às condições anteriores, viver em Baker Street, acompanhar Holmes nas
suas aventuras e escrevendo as narrações que podia.
Voltando
aos casamentos de John Watson. Baring-Gould faz referência ao seu terceiro
casamento (para nós o segundo e último com assento nas letras do canon, sem
grandes motivos para dúvidas) mas este autor sempre tão certo sobre os
personagens Holmesianos data o casamento em 4 de Outubro de 1902, mas não
identifica com quem. Palpites não faltam! Sabemos que, sem ter conhecimento do
motivo nessa altura, em 3 de Setembro de 1902, por ocasião de “O Cliente
Ilustre” e pelas palavras do próprio Watson, que “naquela época os meus
aposentos ficavam na Queen Anne Street e, a menos que a saída de Baker Street
221B não fosse motivada por uma mulher (dúvida esclarecida por Holmes em
Janeiro de 1903 em “ O Rosto Lívido”, onde afirma que “o meu amigo Watson
tinha-me abandonado por uma mulher, a sua única acção egoísta de que me
recordo”) poderíamos optar por Violet de Melville, “jovem rica, formosa, uma
criatura prendada em todos os sentidos”, que Holmes libertara das garras cruéis
do Barão Gruner, mas embora bonita tinha um caracter inflexível e egoísta que,
com toda a certeza, nunca atrairia o coração mole de Watson. T. S. Blakeney em
“Sherlock Holmes, Fact or Fiction” segue a mesma linha.
June Thomson (1930), em extenso e bem delineado anexo a “The Secret Journals of Sherlock Holmes”, opta
com fortes argumentos por Miss Grace Dunbar, a acusada inocente da morte de Mrs.
Gibson, em “A Ponte de Thor”, porém o consagrado Christopher Merley (1890-1957),
escolheu Lady Fraces Carfax, cujo desaparecimento Holmes/Watson haviam
investigado e resolvido em Junho de 1902. E voltando ao pastiche já referenciado de Rodolfo Martinez para revelar e escolha,
que é também a nossa, de Watson:
“Quanto à minha segunda mulher, a história de como a voltei a encontrar e
acabámos por contrair matrimónio, mereceria talvez todo um romance. Digo voltei
a encontrar, pois tinha-a conhecido na Primavera de 1889, quando ela chegou aos
aposentos de Holmes, na Baker Street, para o envolver num caso que mais tarde
vim a relatar sob o título “As Faias Cor de Cobre”. Mal imaginava eu que aquela
adorável e inquisitiva mulherzinha precoce de cabelos castanhos, se converteria,
quase treze anos mais tarde, em minha mulher. Estou a falar, é claro, da menina
Violet Hunter…”
Violet Hunter, Holmes e Watson - de Sidney Paget |
É
certo que John H Watson, com Sherlock Holmes, são fontes inesgotáveis, mas é
tempo de terminar. E terminamos com um breve e justo apontamento que adaptamos
de Ian Alfred Charmock in “Watson’s Last Case”
“Sem
Watson, Holmes ter-se-ia tornado demasiado frio e calculista. Watson teve a
capacidade de lhe dar um novo ângulo de vida. Holmes chegaria a concordar com
isto, dizendo que precisava de Watson como uma pedra de afiar para a sua mente,
quando pensava alto na sua presença. Chegou mesmo a dizer que estava perdido
sem o seu Boswell.”
Enfim,
diríamos: eram o oposto na semelhança.
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