22 de janeiro de 2013

CONTO — FRANK DONOVAN

A ESPOSA PERFEITA

A palavra trabalho pôs-lhe um sorriso de desprezo nos lábios. Também ele trabalhava, mas o seu serviço era um pouco diferente dos empregos vulgares. Só trabalhava das quatro às seis da manhã. Tinha começado há um ano e admirava-se de não ter pensado nisso antes. Era tão simples que por vezes ficava assustado. A única coisa que tinha de fazer era atravessar o corredor de um dos grandes hotéis — nunca se o preocupava com os de segunda categoria — e experimentar as portas. Algumas encontravam-se fechadas. Com essas se preocupava. Mas outras estavam somente encostadas. Sempre se surpreendera com a percentagem de pessoas tão desleixadas a ponto de deixarem as portas abertas durante a noite. Quando um hóspede se recolhe, geralmente deixa as suas coisas da cómoda; uma pessoa em cada dez contraria esse hábito. Como era fácil agarrar os objectos da cómoda e sair com eles.
Tão simples como ele chamar-se Johnny.
Fazia, geralmente, uns duzentos ou trezentos dólares por noite, e sem correr nenhum risco. Por várias vezes ficara numa situação incómoda de ter de explicar ao hóspede do quarto que acordara, o que estava a fazer ali. Justificava-se sempre da mesma forma:
— Sou o detective da casa. Estou a verificar as portas que ficaram abertas. A gerência não se pode responsabilizar pelos objectos de valor, se os hóspedes não fecham as portas.
Os ocupantes desculpavam-se sempre, principalmente se estavam sós e prometiam de futuro fechar a porta.
Acabou de beber o café e pediu outra chávena. Instintivamente, meteu a mão no bolso onde se encontrava o roubo da noite. Tinha sido simples como sempre. Sorriu de leve quando se lembrou do casal do quarto que assaltara esta noite. As suas promessas de amor ainda lhe ecoavam nos ouvidos. Não o tinham dado por ele, na outra sala guardando tudo o que podia.
O relógio por detrás do balcão marcava seis horas. Mas não iria para casa antes das sete. Judy, a mulher, julgava-o a trabalhar no turno da noite de uma fábrica. Aquilo era divertido! Ele como alguém imbecil, a trabalhar numa fábrica.
E começou, novamente, a pensar em Judy. Estavam casados há apenas seis meses. Pensava no seu narizinho o, que se franzia quando sorria e no olhar lânguido que só transparecia amor quando olhava para ele.
Tinham passado a lua-de-mel em Palm Spring, no melhor hotel da cidade, e levado uma vida de reis durante quinze dias. A mulher censurara-o por ele ser tão extravagante, mas ele sabia que ela também gostava.
Ela imaginava-o superintendente de uma fábrica! Nunca perguntara onde trabalhava ou o que fazia — o que era um descanso. Não podia negar — Judy era uma esposa perfeita!
Lá fora o dia começava a clarear com o nascer do sol. Levantou-se, procurou uns trocos nos bolsos. Pensar em Judy tornara-o gastador e por isso deixou uma boa gorjeta
Foi andando até à esquina onde estacionara o carro e pôs o motor a trabalhar, esperando que aquecesse. Enquanto esperava, tirou do bolso a recolha daquela noite, para ver se era boa. Ali estava uma carteira com trezentos dólares, um par de botões de punho em ouro e uma aliança de mulher.
Suspendeu a respiração quando leu a inscrição na aliança: “Para Judy, com amor, Johnny”.

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