6 de março de 2016

8º EPISÓDIO - O CASO DA VIÚVA TERESINHA

O cabo Jeremias apanhava na esquadra do Alto do Pina os mais disparatados visitantes carregando os mais esquizofrénicos temas.
Era preciso utilizar toda a psicologia do mundo para dominar e resolver o dia-a-dia naquela casa de doidos que era a esquadra.
Ora entrava um puto que tinha roubado ao Alfredo da Tasca um pires de jaquinzinhos fritos, ora a senhora Maria que tinha uma cadelinha que fora abalroada pelo cão do Sr. Joaquim da papelaria e o resultado era de esperar complicado.
O cabo Jeremias tudo dominava que mais parecia um treinador de futebol, de raiz popular e com má dicção em português, de nome Jesus que apareceu no mundo do jet-set uns 50 anos depois.
O mais complicado assunto foi sem dúvida o caso da viúva Teresinha que lhe deu água pela barba e alguns amargos de boca com a sua mulher.
Conta-se em poucas palavras: a viúva Teresinha (uma mulheraça que com toda a certeza ainda aguentaria alguns anos de felicidade erótica, pensamos nós que não somos grandes adivinhos neste particular) e que tinha um problema para o cabo Jeremias resolver.
Em sonhos, a viúva via o seu falecido marido a mastigar torresmos enquanto se despia para se deitar e a admoestá-la por ela andar a fazer olhinhos ao senhor  Raúl, da loja de solas e cabedais, por sinal um rapaz de bigode e cabelo às ondinhas sempre simpático para as senhoras que iam à loja adquirir atacadores para os sapatos dos respetivos esposos. Era o esquisito ruido do marido a mastigar os torresmos que a fazia acordar com o coração oprimido e o credo na boca. 
O cabo Jeremias tinha montanhas de paciência, mas um homem às vezes fraqueja apesar de se chamar Jeremias!
O marido aparecia à viúva, sempre à quarta-feira à meia-noite, exatamente na hora em que o cabo Jeremias saía de serviço. Coincidências destas só nos bons livros policiais da hoje extinta coleção Vampiro. Literatura que o cabo Jeremias desconhecia de todo, daí ter aderido à solicitação da viúva.
Contrariado, o cabo ofereceu-se, voluntariamente, para ocupar o quarto que a Dona Teresinha costumava alugar a estudantes e que estava vazio por causa das férias grandes. Era um quarto independente, amplo, cama “Quinane”, com psiché e penico dissimulado na mesinha de cabeceira, cortinados coloridos a imitar lupanar decadente do sec. XVIII.
A viúva lá conseguiu “engatar” (no bom sentido cristão) o cabo e seguiram para a rua Sabino de Sousa, a dois passos da esquadra. Por grande coincidência naquele dia era quarta-feira em todo o país.
Jeremias estava esgotado de tantas solicitações, durante as oito horas de serviço.
Mal chegou ao quarto independente da viúva Teresinha caiu na cama exausto nem dando tempo para se desenvencilhar das ceroulas de atilhos – à moda dos pescadores da Nazaré – que a sua mulher lhe oferecera pelo anos.
Caiu no sono como uma pedra. Porém, acordou sobressaltado com o ruido estranho de alguém perto dele, aparentemente a comer torresmos.
Acendeu a luz, pegou no chanfalho, e abriu a porta.
Do outro lado estava a viúva Teresinha, tal qual veio ao mundo com uma vela acesa numa mão e a comer uma mão cheia de torresmos, como se estivesse hipnotizada, com um olhar vidrado. As suas belas pupilas fixavam as ceroulas novinhas e aos quadradinhos coloridos, única peça de roupa no corpo da autoridade.
Acontece que a maioria dos nossos leitores são tementes a Deus e não “embarcam” em histórias da carochinha com laivos de literatura de Sacher-Masoch.
E nós respeitamos tal deriva.
A partir daquele dia o cabo Jeremias nunca mais foi o mesmo. Parecia que tinha visto o Diabo! Melhor: o Diabo de saias sem saias!

O que aconteceu realmente nunca se veio a saber ao certo.
Quiçá algum dos nossos indefetíveis leitores tenha encontrado saída para o beco em que o nosso bom cabo Jeremias se meteu, e se o fez merece todos os nossos encómios.
Mas os mistérios que a vida tece são às vezes tão insondáveis que um normal escritor de histórias curtas, como nós, por muito que tentemos não conseguimos até hoje construir um final feliz. É só drama e de faca e alguidar!

Não há pachorra!

A. Raposo

2 comentários:

  1. O final... Raposo conhece o cabo e todos sabemos como aquilo acabou - ambos a comerem torresmos (mais nada)....

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  2. O final... Raposo conhece o cabo e todos sabemos como aquilo acabou - ambos a comerem torresmos (mais nada)....

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