14 de julho de 2013

RECORDAÇÕES HOLMESIANAS

RECORDAÇÕES HOLMESIANAS (5 - 3ª PARTE)
PASTICHE / PARÓDIA — O SIGNO DO SANGUE
De F. W. Freeman
Este pastiche foi publicado em Portugal na revista “Célula Cinzenta”, da Associação Policiária Portuguesa, Nº42 e Nº43, deve-se à tradução e gentileza do — nunca é demais repeti-loo foi realizada no  — holmesiano Joel Lima, a quem agradecemos e pedimos desculpa pelo atrevimento.
Trata-se de um trabalho histórico, cuja primeira publicação foi realizada no TIT-BITS do editor George Newnes, em 3 de Dezembro de 1892, e é o resultado de um concurso de “pastiches/paródia” de Sherlock Holmes.
M. Constantino
 


 
Certa manhã, às oito horas, encontrava-me eu, com o meu amigo Shylock Oames, nos nossos aposentos, em Quaker Street, à espera do pequeno-almoço.
Oames estava estendido numa cadeira de braços, aparentemente num estado de completo tédio, cedendo ao muito repreensível costume de fumar antes do pequeno-almoço.
Os restos das cachimbadas da véspera, reaproveitadas cuidadosamente, formavam uma mistura apetecível, com que o meu amigo começava sempre o dia, enquanto eu, esperando pelo pequeno-almoço, olhava distraidamente pela janela.
— Vem aí um cliente a descer a rua — disse eu, ao ver um homem corpulento, que se aproximava apressadamente, enquanto perscrutava, com ansiedade, os números das portas.
— Consigo avistá-lo — disse tranquilamente Oames. Virei-me, algo surpreso com a afirmação do meu amigo, mas lembrei-me de que havia um espelho, por cima da lareira, inclinado de forma a permitir a visão da rua.
— Acaba de perder um belo bigode preto — afirmou Oames — e creio que lhe vai pedir-me que lhe arranje outro.
— Que diabo! — exclamei — Como pode afirmar tal coisa?
— Meu caro Wilkins — respondeu Oames. — Receio que você nunca ultrapasse o B-A-BA da arte da dedução lógica. Por acaso não reparou que o nosso cliente colocou a mão sobre o lábio superior, onde deveria estar o seu belo bigode preto? Quando um homem está preocupado, tem o hábito de torcer o bigode.
E era verdade! Olhando, de novo, para o homem, reparei que levava a mão constantemente ao lábio superior, onde não encontrava o bigode, o que parecia aumentar o seu nervosismo.
Precisamente no momento em que foi trazido o pequeno-almoço, soou um toque de campainha. Ouvimos abrir-se a porta, uma ansiosa pergunta, prontamente respondida, e, finalmente, passos rápidos que subiam as escadas.
Pouco depois, a nossa porta foi escancarada impetuosamente e um homem entrou, apertando o chapéu, que, com a pressa, deixou cair no chão. Oames apanhou o chapéu e devolveu-o ao dono.
— Em que posso ser-lhe útil, Mr. Jones? — perguntou.
Ao ouvir o seu nome, o desconhecido deixou-se cair pesadamente numa cadeira e olhou boquiaberto para a face imperturbável de Oames.
— O seu nome está escrito no chapéu — explicou Oames, serenamente.
O homem olhou para o chapéu, como se este último tivesse sido vítima de um truque de magia.
— Em que posso ser-lhe repetiu Oames. Só então o homem pareceu lembrar-se da sua incumbência, cerrando os punhos, e, num grande nervosismo, bateu violentamente com a cabeça na parede, dando mostras de um desespero extremo.
Contudo, a influência magnética de Oames conseguiu, de certo modo, acalmar Jones, que acabou por contar, ofegante, a sua história. As suspeitas de Oames revelaram-se correctas. O homem tinha perdido o bigode.
— Foi-me roubado durante o sono, Sir — exclamou Mr. Jones, furioso. — Enquanto eu dormia, Sir! O que pensa de tal coisa? Repare na maneira como foi cortado! — e apontou para um longo golpe debaixo da narina esquerda. — Se encontrar o vil salafrário que me fez isto, ter-me-á como seu fiel servidor para toda a vida!  — E Mr. Jones girou pela sala, cerrando de novo os punhos. — Por mais que tente, não consigo compreender. E que irão dizer os meus amigos!
— Ao que suponho é funcionário de um Banco — disse Oames, calmamente.
O homem, boquiaberto, olhou, de novo, para Oames, e apenas conseguiu acenar afirmativamente.
— A que horas acordou hoje? — prosseguiu Oames
— Às cinco da manhã.
— Sentiu-se mal disposto?
— Sim, muito. Porquê?
— Esqueça o porquê, limite-se a responder às minhas perguntas. A sua porta estava trancada?
— Sim. A porta exterior estava trancada. A porta interior, simplesmente fechada.
— Vive num prédio de apartamentos?
— Sim, em Bedford Row.
— Existe alguém com quem pretenda casar?
Um ligeiro rubor aflorou à lace de Mr. Jones. Pareceu ficar um pouco envergonhado e aborrecido.
— O que tem isso a ver com o caso? — perguntou, com certa rispidez.
— Se não quer responder às minhas perguntas — retorquiu Oames, impaciente — sugiro que se dirija à polícia.
— Receio ter de fazê-lo — ripostou Mr. Jones.
— Bom dia — concluiu Oames, sem perder a serenidade. — Wilkins, o nosso pequeno-almoço está a arrefecer.
O homem pareceu atordoado. Já nada tinha a dizer e, muito provavelmente, teria partido, se outro toque de campainha, seguido de mais passos apressados nas escadas, não tivesse vindo dar novo rumo aos acontecimentos.
— Uma senhora, desta vez — disse Oames.
E, realmente, a nossa porta foi novamente escancarada, dando passagem a uma jovem, com traços evidentes de lágrimas na face.
— Oh! Mr. Oames! — disse ela. — Que devo fazer? Por favor, ajude-me! Veja o que enviaram esta manhã… Oh!
Foi quando a desconhecida reparou no nosso primeiro visitante. Sobressaltou-se de tal maneira que julguei que ia desmaiar. Reprimindo um pequeno grito, endireitou-se e saudou de firma arrogante:
— Bom dia, Mister Jones,  —  disse, acentuando, com ênfase, a palavra “Mister”. O homem pareceu totalmente subjugado e, desajeitadamente, procurou, no bolso, um lenço para tapar o rosto. A jovem, então, voltou-se para Oames.
— Este cavalheiro — disse ela, em tom glacial — já terá, sem sombra de dúvida, explicado o sucedido. Quando este envelope for aberto, ele compreenderá tudo, por certo, Bom dia e bom dia para si também, Mister Jones. —
E, com uma saudação pomposa, dirigida ao nosso ansioso cliente, a jovem saiu, com ar altivo. Oames abriu o envelope. Dentro, estava um belo bigode preto, colado a um cartão com a seguinte legenda: “É por isto que estavas apaixonada!”. Por baixo, via-se uma cruz a vermelho, que Oames declarou (depois de tê-la examinado ao microscópio) ser de sangue.
— É o “Signo do Sangue”  —  afirmou Games.
Virou-se para Mr. Jones e continuou:
— Aqui está o seu bigode. Tem algum rival, em relação à jovem que saiu agora?
— Sim! Sim! Ah! Agora compreendo! Um sujeito pequeno e insignificante.
Oames segurou na mão de Mr. Jones.
— Descobrirá que esse sujeito insignificante obteve a chave dos seus aposentos e que o cloroformizou, enquanto dormia.
— Ele vive no andar de baixo — assentiu Mr. Jones.
— Claro. Somente lhe quero dar um pequeno conselho, antes que parta: não se apresente àquela jovem, sem que o seu bigode cresça, de novo, pois a sua aparência, sem ele, é, no mínimo, vulgar. Mesmo assim, creio que as suas possibilidades ficaram comprometidas para sempre. E, da próxima vez que esteja em apuros, siga o meu conselho e dirija-se à Scotland Yard Bom dia. Se não se apressar, vai chegar atrasado ao Banco.
O homem foi-se embora, ainda atónito de olhos esbugalhados.
— Como é acertado o comentário daquele filósofo alemão — disse Oames enquanto nos dirigíamos para a mesa. — “Donner und Blitzen!” (*)
(*) Raios e Coriscos (N. doT.)
 

 

Sem comentários:

Enviar um comentário