RECORDAÇÕES HOLMESIANAS (5 - 3ª
PARTE)
PASTICHE
/ PARÓDIA — O SIGNO DO SANGUE
De F. W. Freeman
Este pastiche foi publicado em Portugal na revista “Célula Cinzenta”, da
Associação Policiária Portuguesa, Nº42 e Nº43, deve-se à tradução e gentileza
do — nunca é demais repeti-loo foi realizada no — holmesiano Joel Lima, a quem agradecemos e
pedimos desculpa pelo atrevimento.
Trata-se de um trabalho
histórico, cuja primeira publicação foi realizada no TIT-BITS do editor George
Newnes, em 3 de Dezembro de 1892, e é o resultado de um concurso de “pastiches/paródia” de Sherlock Holmes.
M. Constantino
Certa
manhã, às oito horas, encontrava-me eu, com o meu amigo Shylock Oames, nos
nossos aposentos, em Quaker Street, à espera do pequeno-almoço.
Oames estava
estendido numa cadeira de braços, aparentemente num estado de completo tédio,
cedendo ao muito repreensível costume de fumar antes do pequeno-almoço.
Os
restos das cachimbadas da véspera, reaproveitadas cuidadosamente, formavam uma
mistura apetecível, com que o meu amigo começava sempre o dia, enquanto eu,
esperando pelo pequeno-almoço, olhava distraidamente pela janela.
— Vem aí um
cliente a descer a rua — disse eu, ao ver um homem corpulento, que se
aproximava apressadamente, enquanto perscrutava, com ansiedade, os números das
portas.
— Consigo avistá-lo — disse tranquilamente Oames. Virei-me, algo
surpreso com a afirmação do meu amigo, mas lembrei-me de que havia um espelho,
por cima da lareira, inclinado de forma a permitir a visão da rua.
— Acaba de
perder um belo bigode preto — afirmou Oames — e creio que lhe vai pedir-me que
lhe arranje outro.
— Que diabo! — exclamei — Como pode afirmar tal coisa?
— Meu
caro Wilkins — respondeu Oames. — Receio que você nunca ultrapasse o B-A-BA da
arte da dedução lógica. Por acaso não reparou que o nosso cliente colocou a mão
sobre o lábio superior, onde deveria estar o seu belo bigode preto? Quando um
homem está preocupado, tem o hábito de torcer o bigode.
E era verdade! Olhando,
de novo, para o homem, reparei que levava a mão constantemente ao lábio
superior, onde não encontrava o bigode, o que parecia aumentar o seu
nervosismo.
Precisamente no momento em que foi trazido o pequeno-almoço, soou
um toque de campainha. Ouvimos abrir-se a porta, uma ansiosa pergunta,
prontamente respondida, e, finalmente, passos rápidos que subiam as escadas.
Pouco depois, a nossa porta foi escancarada impetuosamente e um homem entrou,
apertando o chapéu, que, com a pressa, deixou cair no chão. Oames apanhou o
chapéu e devolveu-o ao dono.
— Em que posso ser-lhe útil, Mr. Jones? — perguntou.
Ao ouvir o seu nome, o desconhecido deixou-se cair pesadamente numa cadeira e
olhou boquiaberto para a face imperturbável de Oames.
— O seu nome está escrito
no chapéu — explicou Oames, serenamente.
O homem olhou para o chapéu, como se
este último tivesse sido vítima de um truque de magia.
— Em que posso ser-lhe
repetiu Oames. Só então o homem pareceu lembrar-se da sua incumbência, cerrando
os punhos, e, num grande nervosismo, bateu violentamente com a cabeça na
parede, dando mostras de um desespero extremo.
Contudo, a influência magnética
de Oames conseguiu, de certo modo, acalmar Jones, que acabou por contar,
ofegante, a sua história. As suspeitas de Oames revelaram-se correctas. O homem
tinha perdido o bigode.
— Foi-me roubado durante o sono, Sir — exclamou Mr.
Jones, furioso. — Enquanto eu dormia, Sir! O que pensa de tal coisa? Repare na
maneira como foi cortado! — e apontou para um longo golpe debaixo da narina
esquerda. — Se encontrar o vil salafrário que me fez isto, ter-me-á como seu fiel
servidor para toda a vida! — E Mr. Jones girou pela sala, cerrando de novo os
punhos. — Por mais que tente, não consigo compreender. E que irão dizer os meus
amigos!
— Ao que suponho é funcionário de um Banco — disse Oames, calmamente.
O
homem, boquiaberto, olhou, de novo, para Oames, e apenas conseguiu acenar
afirmativamente.
— A que horas acordou hoje? — prosseguiu Oames
— Às cinco da
manhã.
— Sentiu-se mal disposto?
— Sim, muito. Porquê?
— Esqueça o porquê,
limite-se a responder às minhas perguntas. A sua porta estava trancada?
— Sim.
A porta exterior estava trancada. A porta interior, simplesmente fechada.
— Vive
num prédio de apartamentos?
— Sim, em Bedford Row.
— Existe alguém com quem
pretenda casar?
Um ligeiro rubor aflorou à lace de Mr. Jones. Pareceu ficar um
pouco envergonhado e aborrecido.
— O que tem isso a ver com o caso? — perguntou,
com certa rispidez.
— Se não quer responder às minhas perguntas — retorquiu
Oames, impaciente — sugiro que se dirija à polícia.
— Receio ter de fazê-lo — ripostou
Mr. Jones.
— Bom dia — concluiu Oames, sem perder a serenidade. — Wilkins, o
nosso pequeno-almoço está a arrefecer.
O homem pareceu atordoado. Já nada tinha
a dizer e, muito provavelmente, teria partido, se outro toque de campainha, seguido
de mais passos apressados nas escadas, não tivesse vindo dar novo rumo aos
acontecimentos.
— Uma senhora, desta vez — disse Oames.
E, realmente, a nossa
porta foi novamente escancarada, dando passagem a uma jovem, com traços evidentes
de lágrimas na face.
— Oh! Mr. Oames! — disse ela. — Que devo fazer? Por favor,
ajude-me! Veja o que enviaram esta manhã… Oh!
Foi
quando a desconhecida reparou no nosso primeiro visitante. Sobressaltou-se de
tal maneira que julguei que ia desmaiar. Reprimindo um pequeno grito,
endireitou-se e saudou de firma arrogante:
— Bom dia, Mister Jones, — disse,
acentuando, com ênfase, a palavra “Mister”. O homem pareceu totalmente
subjugado e, desajeitadamente, procurou, no bolso, um lenço para tapar o rosto.
A jovem, então, voltou-se para Oames.
— Este cavalheiro — disse ela, em tom
glacial — já terá, sem sombra de dúvida, explicado o sucedido. Quando este
envelope for aberto, ele compreenderá tudo, por certo, Bom dia e bom dia para
si também, Mister Jones. —
E, com uma saudação pomposa, dirigida ao nosso
ansioso cliente, a jovem saiu, com ar altivo. Oames abriu o envelope. Dentro,
estava um belo bigode preto, colado a um cartão com a seguinte legenda: “É por
isto que estavas apaixonada!”. Por baixo, via-se uma cruz a vermelho, que Oames
declarou (depois de tê-la examinado ao microscópio) ser de sangue.
— É o “Signo
do Sangue” — afirmou Games.
Virou-se para Mr. Jones e continuou:
— Aqui está
o seu bigode. Tem algum rival, em relação à jovem que saiu agora?
— Sim! Sim!
Ah! Agora compreendo! Um sujeito pequeno e insignificante.
Oames segurou na mão
de Mr. Jones.
— Descobrirá que esse sujeito insignificante obteve a chave dos
seus aposentos e que o cloroformizou, enquanto dormia.
— Ele vive no andar de
baixo — assentiu Mr. Jones.
— Claro. Somente lhe quero dar um pequeno conselho,
antes que parta: não se apresente àquela jovem, sem que o seu bigode cresça, de
novo, pois a sua aparência, sem ele, é, no mínimo, vulgar. Mesmo assim, creio
que as suas possibilidades ficaram comprometidas para sempre. E, da próxima vez
que esteja em apuros, siga o meu conselho e dirija-se à Scotland Yard Bom dia.
Se não se apressar, vai chegar atrasado ao Banco.
O homem foi-se embora, ainda
atónito de olhos esbugalhados.
— Como é acertado o comentário daquele filósofo
alemão — disse Oames enquanto nos dirigíamos para a mesa. — “Donner und Blitzen!”
(*)
(*)
Raios e Coriscos (N. doT.)
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