RECORDAÇÕES HOLMESIANAS (5 - 2ª
PARTE)
PASTICHE
/ PARÓDIA — A AVENTURA DA MULHER GATO
De Oscar Ferrer
Este magnífico pastiche foi extraído do fanzine “Las
Notas del Violin, Nº17 de Janeiro de 1933, com a devida vénia ao autor e à
revista — a nossa gratidão.
M. Constantino
Foi
num dia de Dezembro de 1893, segundo os apontamentos do meu caderno de notas,
que o inspector Lestrade nos introduziu, a Holmes e a mim mesmo, na misteriosa
aventura da mulher-gato.
— Meu
bom amigo Watson, a que devo a honra da sua visita?
— Há
algum tempo que não nos víamos, Holmes. Sei, pelos jornais, que anda envolvido no
caso do assassino internacional. Pela sua alegria, penso que o resolvei satisfatoriamente.
— Com
efeito, Watson. E a minha alegria redobra neste momento, já que, se não estou
equivocado, acaba e chegar Lestrade para depositar nas minhas mãos um novo
caso. Talvez possa embelezar com a sua prosa, outro dos meus casos.
E ao
mesmo tempo que dizia isto, passou-me para as mãos um telegrama que dizia:
“Irei
visitá-lo às doze.
Lestrade”
— Foi
expedido às nove. Pelo ruido das suas botas, deduzo que agora mesmo vai
aparecer à porta.
Efectivamente
a porta da sala abriu-se e a Sr.ª Hudson apareceu com Lestrade, pálido e desalinhado.
— Sente-se,
meu bom Lestrade — disse Holmes — oferecendo-lhe uma cadeira. — Diga-me que
mistério o fez levantar da cama a altas horas da madrugada para ir a
Whitechapel para um assunto de assassinato. A sua barba denota a urgência com
que o chamaram e pela palidez da cara atrevo-me a considerar que o problema é
de origem grave. Assim o diz a sua fisionomia de assombrado.
— Sr.
Holmes — disse Lestrade, com um suspiro — mandaram-me chamar cerca das quatro
horas da madrugada. A ronda nocturna havia encontrado em Whitechapel o cadáver
de John Clay, aquele individuo com o qual tivemos problemas há uns cinco anos.
—
Recordo-me, sim, no “Caso da Liga dos Ruivos”. Mas, continue, por favor…
— Bem.
Fui rapidamente para Whitechapel porque me disseram que havia testemunhas que
haviam visto o assassino e o tinham encurralado. Ao chegar vi o cadáver de
Clay. Cortaram-lhe a garganta de orelha a orelha. Deixaram ali mesmo a arma,
uma mão artificial com unhas aguçadíssimas e retrácteis como as dos gatos. Diversas
testemunhas afirmaram ter visto uma figura humana disfarçada de gato
atirando-se sobre Clay. A dita figura fugiu ao ouvir vozes e refugiou-se numa
casa perto. Voluntários do bairro rodearam o edifício Quando acorri e entrei na
casas só encontrei três mulheres.
—
Prosiga, prossiga! — disse Holmes impaciente.
— As
mulheres que encontrei correspondem aos nomes seguintes: Amanda Johnson, de 33
anos, prostituta conhecida; Sara Smith, de 39 anos, proprietária de um bar
próximo; e Selma Kyle, de 28 anos, professora de uma escola situada na mesma
rua.
— O
senhor revistou bem a casa? — perguntou Holmes.
— Sim,
revistei bem a casa. Tudo estava normal se exeptuarmos uma pequena passagem
secreta que comunica a cozinha com o sótão e neste existe um postigo. Daí uma
pessoa ágil poderia sair até ao telhado e, uma vez ali, o edifício mais perto é
a uns quatro metros de distância…um salto que nenhum ser humano se atreve a
fazer.
Holmes
ficou em silêncio, absorto em pensamentos durante um momento. Lestrade acalmara-se
um pouco. Aproveitei para carregar de tabaco e acender um cachimbo, enquanto o
grande detective continuava com a vista fixa num ponto longínquo.
Despertou
por fim e disse:
—
Lestrade, esta tarde investigarei essas três mulheres. Venha cá por volta das
seis horas tomar um chá. Seguramente terei já a solução.
Homes acompanhou
Lestrade e a mim próprio até à porta. Combinámos volta àquela hora.
Assuntos
urgentes atrasaram-me e cheguei a Baker Street às seis horas e vinte minutos.
—
Sente-se Watson — disse Holmes. Observava, entretanto, que tinha o mesmo bom
humor da manhã. Lestrade já tinha chegado e estava contricto e ruborizado.
—
Estava a explicar a Lestrade como se escapou das suas mãos o assassino de Clay —
esclareceu Holmes, enquanto me passava uma chávena de chá.
— Como
foi? — inquiri.
— Pode
comprovar, visitando o local dos factos, que o assassino entrou, efectivamente,
na casa e que saltou do telhado esses metros que parecem impossíveis de saltar
para um ser humano. Contudo… não alguém que se creia, efectivamente, um gato!
— Bem,
Holmes, — admitiu Lestrade — É teoria sua e não tenho outro remédio semão
aceitá-la, ao não dispor de nenhuma outra. Agradeço-lhe. Dito isto, levantou-se
e invocando uma investigação urgente, deixou-nos sós.
Holmes
levantou-se, abriu um armário-roupeiro de onde tirou um disfarce de gato de
corpo inteiro.
— Onde
demónio arranjou isso? — perguntei.
—
Falei esta tarde com as suspeitas — respondeu. Uma delas sentia um grande
afecto pelos gatos. As outras duas odeiam-nos. Precisamente foi essa mulher,
que tanto afecto nutre pelos gatos, a mais relacionada com Clay… até ao ponto
de ser sua irmã!
— Mas
Holmes! Por que não contou isso a Lestrade?
— Watson,
essa mulher matou o irmão porque este tinha abusado sexualmente dela, repetidas
vezes. Vingou-se matando-o. Tem muito de fria determinação que se disfarçasse
de gato. Contudo também indica a seu favor a inteligência da mulher. Apanhei-a
com o disfarce nas mãos, tratando de se esconder. Entregou-me a dupla
identidade e implorou-me chorando, chorando para não a denunciar, pois o facto
nunca mais se voltará a repetir.
— A
mulher-gato era Selinda Kyle — afirmei.
— Na
verdade, Watson, o seu apelido era Clay, só o matou para não ter problemas.
Pessoalmente penso que alguns crimes não merecem castigo, se o assassinado é
tão desprezível como este. Calámos a vingança da formosa Selinda Kyle.
Olhei
Holmes nos olhos, fixamente. Aquela expressão nunca mais a vi desde o tempo de
Irene Adler. Compreendi que devia manter-me em silêncio.
Com o
tempo, a única recordação daquele caso foi-se… um disfarce de gato que Holmes
guarda como uma preciosidade entre outros casos, relembra-o.
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