As
palavras de Winwood Read:
Embora
o homem individual seja um enigma absoluto, o agregado humano representa a
certeza matemática. Nunca se pode predizer poe exemplo, o que fará um homem,
mas é possível prever as atitudes do grupo humano!
Os
indivíduos variam, mas as percentagens parecem constantes. Assim falam as
estatísticas.
Salta
para a filosofia e a religião. Holmes estava dividido entre a fé e a dúvida; é
todavia um crente, considerando o desabafo em “A Caixa Macabra”:
— Qual é o significado de tudo
isto Watson? V proferiu Holmes em tom solene… Que propósito anima este ciclo de
desgraça, violência e terror? Deve tender para um fim.
De outro modo, o nosso universo
seria governado pelo acaso, o que é inadmissível. Mas qual será esse fim?
Eis o imenso, imutável, e eterno
problema do qual a mente humana se encontra longe de desvendar.
Mais tarde
dirá:
— Os caminhos da fé são
verdadeiramente difíceis de compreender; se não existe qualquer recompensa
depois da morte, o mundo é uma piada cruel.
E
antes de sair Holmes entregou a Watson um livro:
— Permita-me que lhe recomende
este livro… um dos mais notáveis já escritos. É “O Martírio dos Homens” de
Winwood Reade, publicado em 1872, três anos antes da morte do autor, com 36 anos
de idade, atinge a história intelectual do homem desde a antiguidade ao presente.
Holmes
não era forte em Botânica, não se interessava pela jardinagem, porém, conhecia
os venenos vegetais em geral. Igualmente não tendo estudado geologia, na
prática a partir de simples salpicos de lama ou um pouco de barro podia dizer
com toda a facilidade a zona de Londres de onde proviera, como já foi referido.
A Química fora um dos estudos preferidos nos Hospitais de São Bartolomeu, onde
Stanford levou Watson para conhecer Holmes, que se encontrava debruçado sobre
uma mesa repleta de recipientes, retortas, tubos de ensaio, bicos de Busen com
chamas trémulas e azuis, do mesmo ficou a mesa da sala em Baker Street, onde
passou a habitar; sintoma da sua aplicação à Química eram as suas mãos,
permanentemente manchadas de químicos.
Tinha
bastantes conhecimentos de Anatomia. Para Stanford era um homem tranquilo e
estudioso, sem que se conhecesse o objectivo do seu estudo. Levava muito tempo
a esfacelar cadáveres na sala de dissecação:
— Sim, para verificar até onde
as escoriações podem ser produzidas depois da morte. Vi com os meus próprios olhos quando ele fazia as suas experiências
(in “Um Estudo em Vermelho”). O seu
forte seria, provavelmente, a literatura sensacionalista, pois conhecia até ao
pormenor toda a espécie de crimes antigos, porquanto quando chegou a Londres,
instalou-se na Montague Street, mesmo ao dobrar da esquina do Museu Britânico e
aí, na sala de leitura do museu, familiarizou-se com toda a espécie de crimes
sensacionais, do “The Newgate Calender”, passando pelas obras de Jonathan Wild
(1683-1725) e Griffiths Wainewright
(1794 –1847). Ao mostrar um exemplo, comparativamente, levou Stanford a
comentar:
— Você parece uma enciclopédia
ambulante do crime. Está a fundar um jornal dedicado ao assunto? Chame-lhe “Notícias
Policiais do Passado”
Para
além destes conhecimentos, Holmes continuou com o decorrer do tempo a acumular
fichas e extractos de jornais. O próprio Watson observou que “o seu zelo por
outros estudos era notável” e dentro dos limites existentes o seu conhecimento
era tão extraordinariamente amplo e minucioso que as suas observações me espantavam.
Evidentemente nenhum homem trabalhava tanto para adquirir informações tão
precisas, se não tivesse em vista um objectivo bem definido.
Com
estas palavras Watson absolveu-se das palavras apressadas, naturalmente
imprudentes da sua classificação inicial dos conhecimentos de Holmes, tanto
mais que não o conhecia “ainda muito bem”.
Continuando,
nota-se na cultura de Holmes, o seu apreço e conhecimentos de História Universal,
à qual o ligava verdadeira paixão, estudando “as raízes celtas do idioma da
Cornualha” sobre o qual escreveu e publicou uma monografia “Um Estudo das Raízes
da Caldeia na Antiga Língua Córnica”. Numa outra monografia “Escritas Secretas”,
Sherlock Holmes analisa desenvolvidamente os seus óptimos conhecimentos de
criptografia (também em grafologia, mas em menos escala).
A
demonstração prática inicia-se na sua primeira aventura, “ Tragédia do Gloria
Scottli, diante da carta recebida pelo velho pai do seu colega, Victor Trevor com uma nota que diz:
“A
provisão de caça para Londres está por terminada. O caçador Hudson, segundo nos
contou, já tem tudo preparado, não fuja o faisão para a faisoa salvar, nas
moitas, a ninhada com vida”
Fiquei
tão confuso como você, quando li pela primeira vez. Depois, reli-a com muito
cuidado. Dar-se-ia o caso de haver um significado preestabelecido para tais
frases como “fuja o faisão” e “faisoa” ? Tal significado seria arbitrário, e de
modo nenhum poderia ser deduzido. Todavia, custava-me acreditar que fosse esse
o caso… Experimentei invertê-la, mas a combinação não era encorajante. Tentei
então alternar as palavras, mas isso não esclarecia o enigma. De súbito, descobri a chave do enigma, pois verifiquei
que a última palavra de cada grupo de três dava mesmo uma mensagem que podia
levar Trevor ao desespero.
Numa
criptografia mais complicada, que acabou por resolver em “Os Bonecos Bailarinos”
diz a Watson:
— Conheço todos os métodos de criptografia,
até hoje utilizados, e até sou autor de uma monografia acerca desse tema, em
que analiso cento e sessenta códigos diferentes… Mas confesso que este me
deixou bastante perplexo.
Os
seus conhecimentos eram teóricos e simultaneamente técnicos.
— Existem muitos códigos que eu
teria a mesma facilidade de ler que a secção do “Correio Sentimental” nos
jornais… Tais recursos toscos entretêm a inteligência sem fatigar .
Como convinha
à sua actividade profissional, Holmes tinha conhecimentos de direito britânico,
frequentando para o efeito aulas de direito comum e criminal. Sabia servir-se
das impressões digitais, ainda então em fase incipiente, e das pegadas,
publicando até artigos com o título de “Sobre Tatuagens” que incluía um dos
primeiros estudos académicos dos primeiros pigmentos usados pelos artistas
japoneses e chineses e “Como Registar Pegadas” que incluía observações acerca
do uso de gesso como forma de preservar essas mesmas pegadas.
Aproveita-se
para citar uma outra monografia, que se tornou famosa, “Acerca da Diferença
entre a cinza de vários Tabacos”, onde constam cento e quarenta tipos de
charuto e cigarros e tabaco de cachimbo, com ilustrações a cores atestando a
diferença das cinzas.
Fruto
dos seus estudos e experiencias do seu domínio são ainda duas pequenas
monografias “Sobre os Vários Tipos de Orelhas”, “Um Estudo Sobre a Influência
da Profissão na Forma das Mãos”.
Quando
Watson afirmou que Holmes tinha poucos conhecimentos de política, já o
dissemos, parece-nos uma afirmação prematura, gratuita, diríamos. O facto de
não se interessar, não quer dizer falta de conhecimentos, aliás, em certas
profissões é correcto mostrar-se permanentemente apolítico ou ignorante mesmo.
No entanto sabemos que Holmes era um patriota combativo, gostava da rainha
Victória e não simpatizava co Eduardo VII, a ponto de, afirmação de Watson, ter
recusado uma distinção honorífica.
Tinha
qualidades de actor. Segundo W. S. Baring-Gould, Holmes com o pseudónimo de
William Escott chegou a merecer o aplauso da crítica e a inveja dos colegas:
“Não poderíamos
dizer que Holmes fora imensamente poupado entre os seus colegas actores, nem
mesmo por Langdade Pike (um amigo que o encaminhara para o teatro), seria fácil
atribuir tal facto ao ciúme dos outros, dada a sua ascensão meteórica”. Seja como
for, actor ou não, sabia como ninguém disfarçar-se de marinheiro, padre, capitão
de navio, moço de estrebaria, vagabundo, velho, canalizador, vendedor de livros,
etc., envergando trajes adequados; mudando de personalidade era capaz de se
mostrar indisposto subitamente e enganar o próprio Watson, médico de profissão.
Em “A
Casa Vazia” ou como reapareceu a Watson depois de um longo hiato:
Um
homem alto e magro, de óculos escuros, que desconfiei que fosse um polícia à
paisana, expunha uma teoria de sua autoria aos que se agrupavam para ouvi-lo.
Cheguei o mais perto possível, mas as conjecturas pareceram-me absurdas, de
modo que me afastei, aborrecido. Ao fazê-lo, esbarrei num homem velho e deformado,
que estava atrás de mim, e derrubei alguns livros que transportava.
…
Voltei para Kensington…
Cinco minutos após ter entrado no meu escritório,
a criada anunciou-me uma visita. Notei, com surpresa, que era o estranho coleccionador
de livros, de rosto enrugado sob os cabelos brancos, carregando os preciosos
volumes, no mínimo doze, sob o braço direito.
— Está admirado de me ver aqui,
senhor? — perguntou ele com um grasna restranho.
Confirmei o meu espanto e ele
esclareceu.
— Sou um homem consciente, e,
ao vê-lo entrar nesta casa, quando vinha atrás do senhor, achei que devia
justificar-me, disse a mim: se me mostrei um tanto brusco, foi involuntariamente
e que estou-lhe grato por ter apanhado os meus livros.
— Está a dar muita importância
ao incidente — contemporizei. — Posso perguntar como soube quem eu era?
— Pois bem, senhor, se acha que
estou a tomar excessiva liberdade, dir-lhe-ei que sou seu vizinho; a minha
livrariazinha fica na esquina da Church Street onde terei muito prazer em
vê-lo. Talvez o senhor seja também colecionador, e tenho aqui “British Birds”, “Cattalus
e “The Holy War”, todos por uma pechincha! Com cinco volumes o senhor poderia
preencher aquele espaço, na segunda prateleira. Tem um ar de vazio, não acha?
Virei a cabeça e olhei para a
estante atrás de mim. Quando tornei a virar-me, Sherlock Holmes encarava-me
sorrindo, do outro lado da escrivaninha. Ergui-me de um salto, olhei-o durante
alguns segundos, completamente atónito, e desmaiei pela primeira e última vez
na minha vida.
… os outros disfarces daquele
indivíduo estavam em cima da mesa, juntamente com a cabeleira branca e a pilha
de livros.
Como
se vê, afinal, a sua cultura era diversificada. A duradoura paixão pela música,
sobretudo o violino era realmente extraordinária. Mostra-se grande conhecedor
dos grandes instrumentos e em “Um Estudo em Vermelho” divagou sobre violinos de
Cremona e a diferença entre Stradivarius e um Amati. Nos primeiros tempos da
sua coabitação com Watson era hábito de Holmes recostar-se no divã, fechar os
olhos e tocar sem metido o violino. No entanto, “sabia tocar e tocava bem”. A
pedido de Watson tocou Lieder de Mendelssohn e em “A Pedra de Mazarino” toca Barcarola
de Hoffmann.
O
apelo da música, a fazer fé em Watson era uma válvula de escape para as
pressões do trabalho, mas “o meu amigo era um músico entusiasta… sendo ele
próprio não só um executante muito dotado, mas também compositor de mérito fora
do comum”.
Para
terminar.
Já no
seu retiro em Sussex, uma pequena moradia isolada na vertente sul de Downs,
onde se encontrava com a velha governante, entregue ao contacto com a natureza
e criação de abelhas.
Nesse período, o bom Watson era-me
completamente inacessível. Só uma vez por outra o via, num fugaz fim-de-semana.
Para
além da narrativa que havia escrito em Janeiro de 1903 em resposta ao desafio
de Watson, foi o seu próprio biógrafo em “A Juba de Leão”:
Se ele (Watson) estivesse ao pé
de mim, que bem saberia relatar um acontecimento tão estranho de realçar o meu
triunfo final sobre todas as dificuldades!
Holmes
tem ainda a oportunidade de escrever “O Manual Prático de Apicultura com
algumas Observações acerca da segregação da Rainha” e, fazendo jus à sua arte,
em quatro volumes “Toda a Arte de Detecção”, mais, (calculem!) o livro de
artigos de que o seu querido amigo e companheiro de muitos anos tanto
desdenhou, “O Livro da Vida”, já anteriormente publicado sob anonimato… ficam
ainda por registar os serviços prestados à pátria no período da guerra mundial
que se seguiu.