Nos velhos anos de 1955 o Carnaval ainda não era um negócio
e cada um mascarava-se como entendia.
Os números mais tradicionais:
O XEXÉ – indivíduo de fato séc. XVII, chapéu de dois bicos,
meia alta, jaqueta vermelha. Na mão um chifre e na outra um facalhão de madeira
pintada. Uma barriga enorme para atacar os transeuntes à barrigada. Este
personagem desapareceu de cena nos anos seguintes. Era um personagem castiço.
Mas números populares mesmo, era a troca de trajes. Os homens
mascaravam-se de matrafonas e as mulheres de homem.
De acordo com a lei e a ordem em vigor, era proibido tapar
as caras com máscaras e os homens teriam que fardar de calças e as mulheres de
saias.
Como no Carnaval − dizia-se, ninguém levava a mal, excepto o
cabo Jeremias e seus iguais que tinham trabalho redobrado correndo à
chanfalhada e mesmo prendendo os prevaricadores.
O cabo Jeremias não tinha descanso.
Pela Rua Barão de Sabrosa abaixo vinham os patuscos
personagens: um homem mascarado de mulher, pintado com mau gosto e exagero nas
tintas, saltos altos de difícil equilíbrio uma barriga enorme a fingir de
grávida, empurrando um carrinho de bebé.
Dentro dele com uma touca e chucha ao pescoço, um enorme
biberão na boca com vinho tinto que alimentava o matulão que encolhido seguia
encaracolado dentro do carrinho. De vez em quando fazia birra e a “mamã”
chegava-lhe à boca o biberão que ele bebia sôfrego, ficando rapidamente
etilizado e incapaz de sair do berço de seu próprio pé.
Atrás deles seguia de chanfalho na mão o cabo Jeremias e
depois de breve corrida em que a “mamã” perdia os sapatos de senhora pelo
caminho, lá os levava até à esquadra para despachar o auto e deixá-los uma
noite no calabouço para evaporarem os vapores do álcool.
Na terça-feira de Carnaval não havia mãos a medir.
Era o tempo das serpentinas nas janelas e das batalhas entre
rapazes na rua e raparigas nas janelas atirando saquinhos contendo feijões e
outras leguminosas.
Atirava-se ovos e farinha que deixavam às vezes as moças em
desespero e muitas vezes as brincadeiras eram peadas e inconvenientes pelo que
pouco a pouco foram-se proibindo até hoje.
O Carnaval selvagem, popular e genuíno, por vezes
abrutalhado mas que imanava do povo. Anos depois alguém se lembrou de
transformar em negócio e tudo mudou.
O Carnaval ainda passou para os cinemas e hoje tem
localidades que exploram a folia metendo em desfile mais nuas que vestidas as brasileiras da
indústria hoteleira que vão para ali fazer umas horas extra e pôr o material à
venda, quem sabe apareça algum construtor civil que entre no negócio…
Mudam-se os tempos mudam-se as vontades.
A. Raposo