5 de maio de 2013

RECORDAÇÕES HOLMESIANAS (3 - 2ª PARTE)

 
No 1º fim-de-semana de cada mês, repartido por sábado e domingo, continua a publicação da série dedicada a Sherlock Holmes da autoria de M. Constantino~.

Foi publicado:




 
 

 

RECORDAÇÕES HOLMESIANAS (3 — 2ª Parte)
 
 
PASTICHE/PARÓDIA — A AVENTURA DO SUPER LOBISHOMEM
De Robert L. Fish (1912-1981)


Relembro inúmeros casos em eu acompanhei o meu Mr. Schlock Homes, mas um deles prevalece na memória. Um de tamanha importância nacional que assombra todo e qualquer trabalho realizado por Homes naquele ano, pois além de lhe fornecer a oportunidade de demonstrar outra vez a sua extraordinária habilidade em analisar distorções na sua própria perspectiva, deu-lhe a possibilidade de servir o seu país como poucos homens o fizeram. Nas minhas notas, agora feitas meticulosamente em inglês bem claro, encontrei o caso batizado como A Aventura do Super Lobisomem.
Eu acabara de espalhar pó no espaço perigoso do passeio, na esperança de reduzir assim os frequentes escorregões que ali se registavam, quando descobri que, na minha ausência, Criscroft, irmão de Homes, chegara e lá estava refastelado com o meu amigo num sofá. Encontrei os dois engolfados no jogo favorito de ambos e, como sempre, parei em reverente silêncio, enquanto eles mediam as extraordinárias inteligências em raciocínio analítico.
Assim que coloquei um drinque na mão de cada um e Homes acendeu o cachimbo, Criscroft tratou de nos expor o seu caso
— Como devem saber, permitimos às nossas antigas colónias participarem dos problemas que emanam presentemente de Berlim. O representante das ex-colónias americanas e um certo General Isaac Kennebunk, Esquire; e em confidência lhes digo que provavelmente este cavalheiro será escolhido para General-em-Chefe das nossas forcas aliadas. — Limpou a garganta e dobrou o corpo para a frente. —.E fácil, pois, compreender a nossa perturbação quando vos confessar que desde ontem o General Kennebunk, desapareceu!
— Desapareceu? — exclamei alarmado, dando um salto. — Desapareceu o quê?
— O General em pessoa — replicou Criscroft pesadamente — Desde ontem de manhã, quando deixou o Conselho de Guerra para voltar aos seus aposentos, não foi mais visto por ninguém. Será bastante dizer que o General esta a par de-todos os segredos da nossa estratégia. Se cair nas mãos do inimigo ou dos seus simpatizantes, estaremos em posição muito embaraçosa.
— E queres que o localize — disse Homes, positivo, a esfregar fortemente as mãos num gesto muito conhecido, que indica sempre extremo interesse ou falta de circulação.
— Exactamente. Desnecessário é acrescentar: o mais depressa possível.
— Então, vamos as perguntas. Primeiro, onde estava instalado o General?
— O Ministério da Guerra arranjou-lhe um apartamento numa velha estalagem, a Bedposts, na Bolling Alley.
— E ficou lá sozinho?
— Com excepção do seu ajudante militar, um certo Major Anguish Mc-Anguish, que temporariamente, partilhava os seus aposentos.
— E o Major?
— Também nunca mais foi visto depois do desaparecimento do General, mas como podem imaginar o nosso principal interesse é o Kennebunk.
— Claro. E que medidas tomaram até agora?
Criscroft levantou-se, o rosto acinzentado de tão grande responsabilidade.
— O Ministério da Guerra recorreu logo à Polícia Militar, na pessoa de um ex-agente policial chamado Flaherty, que com certeza conheces. Assim que o Ministério do Exterior foi avisado, insistimos em dispensá-lo da incumbência para falar contigo. O Ministério da Guerra concordou entusiasticamente. Apesar disso, desejam manter contato com Flaherty, embora admitam que possuas o cérebro analítico mais afiado de toda a Inglaterra de hoje.
— Flaherty nada conseguirá — replicou Homes muito sério.
— Concluo, pois, que tenho carta-branca Os aposentos estão guardados?
— Mandei que os selassem e que guardas lhes vigiassem as portas. Demos ordens para que apenas tu e Watney ali penetrassem.
— Óptimo — disse Homes levantando-se e tirando o roupão. — Neste .caso é entrar logo em acção.
A carruagem de Criscroft deixou-nos em Bolling Alley. As nossas credenciais deram-nos pronto acesso ao andar que abrigara o oficial desaparecido e após a afirmação do rígido polícia de que ninguém ali entrara, abrimos a porta e entrámos no aposento. À primeira vista nada indicava a remoção forçada do General. As camas estavam bem esticadas, a mobília perfeitamente disposta e o sol dava um ar alegre à sala.
Homes parou um instante, percorreu a cena com os seus olhos penetrantes, depois, fechando a porta atrás de nós, deu início à busca.
As gavetas da cómoda não forneceram indício algum. Ajoelhou-se para espiar por baixo da cama, mas, excetuando-se alguns pares de botas e sapatos de alpinismo, o espaço estava vazio.
Avançando para o armário, Homes passou revista a uma série de uniformes, todos em ordem no varão. Depois, com resolução repentina, empurrou-os para o lado e espiou mais atrás. Ouvi um grito de triunfo do meu amigo e percebi que descobrira a primeira pista.
Com olhos cintilantes, retirou alguns tacos de formato estranho, diversas bolas brancas de tamanho fora do comum e algumas cavilhas minúsculas de madeira. Manipulando estes objetos com grande delicadeza, colocou o seu achado em cima cama.
— Homes! — exclamei assombrado, estendendo a mão para os estranhos objetos. — Que poderá ser isto?
— Cuidado! — advertiu, pegando-me no braço.— E muito provável que se tratem de armas estranhas. Deixemos tudo aí, por enquanto, e continuemos a nossa busca.
A própria ordem do aposento parecia anular a possibilidade de se conseguir encontrar mais alguma coisa.
Abrindo a gaveta da cómoda, Homes retirou um bloco em branco e ia coloca-lo no lugar quando os seus olhos vivos notaram umas leves marcas na superfície da primeira página. Levando o bloco rapidamente para a janela, colocou-o horizontalmente à altura dos olhos, contra a luz.
— Depressa, Watney — exclamou em grande agitação. — Descobrimos algo! A minha pasta!
Polvilhando de carvão a folha vazia, soprou o pó suavemente até penetrar nas ranhuras deixadas pressão da pena na página anterior e uma mensagem apareceu.
Mammy — dizia(ou Manny, a escrita não era muito clara) Apenas tempo para nove, hoje; subi a cinquenta e seis! Comecei em quatro, mas não quero dizer nada sobre o resto. O que atrapalha é sempre a minha direita e o resultado e aquele fracasso! Falem em lobisomem! Acho que sou vítima do super lobisomem!
Esta desconcertante mensagem estava simplesmente assinada com as iniciais do oficial desaparecido, I. K.. Levantei os olhos e dei com Homes tão absorto nas suas reflexões que me abstive de falar. Finalmente, de testa, franzida disse:
— Precisamos de voltar a Bagel Street imediatamente, Watney!
— Mas Homes — exclamei — quer dizer que a resposta está na decifração desta mensagem críptica?
— Isso não é código, Watney, embora contenha uma mensagem secreta. Venha, temos muito que fazer!
Logo que o carro diminuiu a marcha diante da nossa morada, Homes atirou o dinheiro da corrida para as mãos do cocheiro e saltou antes de os cavalos pararem completamente. Subi a escada atrás dele.
— Primeiro, Watney — disse acendendo a luz e correndo a puxar a cadeira para junto da mesa — se quiser ter a bondade de me alcançar o Debretts, poderemos começar sem mais delongas!
Entreguei-lhe o volume e ele percorreu com o dedo a lista alfabética com rapidez. Anguish Mc-Anguish — murmurou enquanto observava cada linha. Ah, aqui está! Anguish Mc-Anguish, Edgeware Road, 224, Hyde Park 6—24… Não, não, Watney! Este é o Guia Telefónico! O Debretts, por favor!
Recoloquei o volume, correndo de leve, e ele atirou-se ao estudo enquanto eu the observava o rosto
 — E agora o Atlas Mundial, por favor.
Esperei enquanto ele abria o Atlas. Depois, vendo que já se esquecera da minha presença, saí sem ruída e voltei para o meu quarto.
 
Acordei com os primeiros raios, da madrugada a enfeitar a bandeira da janela.
— Venha Watney — disse.
era evidente que o meu amigo passar a noite a trabalhar.
Homes já estava sentado no carro e enquanto eu corria deu as instruções ao cocheiro, puxando-me para o veículo com mão forte.
— Desculpe, Watney — disse rindo, enquanto saímos às sacudidelas para a Euston Station. — Descobri a solução há pouco e ainda tive de telegrafar para Flaherty pedindo para nos encontrarmos no comboio com alguns dos seus homens. Também tive de conseguir as nossas passagens na Ayr Express e arranjar um carro que nos levasse à estação. Por isso o acordei no último minuto.
— E a resposta está na Escócia? — perguntei.
— Sim, está — replicou sorrindo o meu amigo. Depois, inclinando- se para a frente, gritou — Terá dois pence a mais, cocheiro, se não perdermos o comboio!
Entrámos ruidosamente na Euston Station e nomes arrastou-me. Descemos a correr a plataforma deserta, a espiar os compartimentos. Homes instalou-se confortavelmente no primeiro vagão de fumadores que encontrámos.
— Flaherty e os seus homens estão no comboio — disse ele, enfiando a mão no bolso à procura do cachimbo. Com um pouco de sorte teremos o caso deslindado antes da noite.
— Mas não entendo nada, Homes — exclamei perplexo — Vi tudo que o que você viu, e nada faz sentido aos meus olhos! Quer dizer que você descobriu o paradeiro do General e a trama do seu desaparecimento, apoiado nos simples indícios dos quais tenho conhecimento?
— Simples indícios? — replicou — Ora, Watney, jamais tive um caso com tantos indícios. Permita que o demonstre!
Tirou do bolso o papel que continha a mensagem criptográfica e colocou-a na mesinha em baixo da janela. Sentei-me diante dele e começaram as explicações.
— Primeiro, Watney — disse alisando o papel de modo que eu, pudesse ler outra vez as palavras rabiscadas — escute atentamente o que diz o General. Começa por dizer “apenas tempo para nove”, o que, indubitavelmente, significa que tem, tempo apenas para poucas palavras. Segue isso “subi a cinquenta e seis” e as palavras “comecei em quatro”. Que podem indicar? Apenas uma coisa: direções! As mais positivas direções que conhecemos, Watney, latitude e longitude! Cinquenta e seis, e quatro. Evidentemente cinquenta e seis garis de latitude norte e quatro graus de longitude oeste! Temos mais alguma coisa para confirmar estas deduções? Que mais diz ele? “O problema é minha mão direita” E quem é a sua mão direita ? O Major Anguish Mc-Anguish E Debretts nos dá o solar dos Mc-Anguish em Carnoustle, na Escócia, exactamente nesta latitude e longitude!
Homes recostou-se no banco, a fumar furiosamente o seu cachimbo.
— Vamos um pouco mais longe — continuou, enquanto eu observava estupefato esta brilhante exposição. — O General afirma em seguida “O resultado é aquele fracasso”. Não sei se conhece a gíria dos americanos, Watney, mas o fracasso significa que ele está a ser pressionado para fazer alguma coisa que o repugna. E termina “Sou vítima do super lobisomem”. Todos nós sabemos o que é o lobisomem, uma das superstições da nossa infância. E o super lobisomem só pode ser duplamente terrível na imaginação do coitado!
Nesta base, pois, vejamos a mensagem tal como o General a teria escrito se não quisesse esconder dos inimigos o seu significado. Diria o seguinte: “Tempo apenas para um rápido bilhete. Preciso voltar a Carnoustle, porque Mc-Anguish está a fazer chantagem comigo. Ali serei forçado a participar em alguns rituais pagãos terríveis demais para serem comentados!
— Rituais pagãos, Homes?
— Não há dúvida. Lembre-se do lobisomem, Watney! Não sei se você está familiarizado com as religiões pagãs baseadas na feitiçaria com sacrifício humano. A Escócia tem vários nacionalistas que simpatizam com estes inimigos. Espero apenas chegar a tempo de salvar o General Kennebunk destes velhacos.
— Que coisa horrível, Homes! Por esta razão é que trouxe Flaherty e seus homens?
— Exactamente. Pode haver pancadaria e além do mais não temos uma posição oficial, particularmente na Escócia.
Ficou combinado que quando chegassem ao local certo, com o apoio do maquinista o comboio abrandaria o bastante para saltarem fora. E assim foi, estudado o mapa da área, verificou-se pouco depois a charneca isolada e o abrandamento do comboio.
Segundos mais tarde encontrámo-nos nos trilhos enquanto o expresso pouco a pouco recuperava a velocidade. Além de Homes e- eu, Flaherty vinha acompanhado por três homens fortes, todos similarmente guarnecidos, curvados ao peso dos apetrechos que traziam. A um sinal de Homes atravessamos a linha os trilhos e avançámos pela charneca. Avançávamos a passo quando, de repente, algo nos assobiou aos ouvidos e uma pedra branca passou sobre perdendo-se à distância.
— Uma armadilha, Homes! — gritei, atirando-o para uma depressão cheia de areia e protegendo-o com o meu corpo.
Debruçou-se na beira do fosso, estudando a paisagem, com Flaherty a seu lado. De repente o agente da polícia endireitou-se e com os olhos fixos na distância, apontou o dedo agitado.
— É ele, Mr. Homes. Não sei como chegou a deduzir tudo isso, mas como sempre, estava com a razão! E vem rodeado por três outros, todos armados de pesados bastões! Mas, espere! — O polícia virou-se para Homes com perplexidade. Ele também está armado!
— É como eu temia — disse Homes, acompanhando a aproximação dos quatro homens. — Hipnotismo ou drogas, ambos bastante comuns-
— Desculpe,Mr. Homes. — replicou Flaherty, colocando a mão no ombro de Homes —As minhas instruções são muito claras. O senhor descobriu-o graças a um excelente trabalho, mas o meu dever é efectuar o salvamento. O senhor é valioso demais para se arriscar em semelhante operação. Mas não tema. Prometo-lhe que o terá são e salvo das mãos destes culpados!
— Então, não falhe — replicou Homes com severidade. — Venha Watney, temos apenas quarenta minutos para apanhar o próximo comboio para o sul!
 
De regresso a casa, procurava a notícia no jornal, quando Homes chegou e disse:
— Creio que perde o seu tempo, Watney — observou bem-humorado. Já fui informado por Criscroft de que o General voltou a Londres e duvido muito que os censores permitam que os acontecimentos de ontem cheguem ao conhecimento público.
 

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