PASTICHE/PARÓDIA — O ESQUELETO DESAPARECIDO
De Andre Francisco Brun (1881-
1926)
Comediógrafo
e humorista, de ascendência francesa, naturalizou-se português e combateu com o
exército português na I guerra mundial. Deixou obra importante nas letras.
Aqui
fica o sagaz Berloque-Homes em O ESQUELETO DESAPARECIDO.
M. Constantino
Imagem em: http://drawception.com/ |
Um dia
o sagaz polícia Berloque-Homes estava em casa passando a ferro umas deduções
novas, que tinham vindo da lavadeira, quando sentiu tocar a campainha do
corredor. Depois de reflectir dez minutos e tendo chegado à conclusão que,
sendo a campainha desprovida de braços, não podia puxar-se a si própria, foi
abrir a porta e deu de cara com um homem que o grande detective deduziu logo
pertencer ao sexo masculino.
Esse
homem, tendo entrado no gabinete de Berloque-Homes, este convidou-o a
sentar-se. O homem explicou-se:
— Meu
caro senhor… O meu caso é simples; roubaram-me esta noite o meu esqueleto.
Berloque-Homes
nem pestanejou e acendeu dois cachimbos, um a cada canto da boca. A visita
continuou:
—
Todas as noites, quando volto para casa, costumo verificar se não perdi nada.
Revisto as algibeiras, conto o dinheiro e, por fim, pondo-me em frente de um
aparelho de raios X, reparo se porventura perdi algum órgão essencial do
ministério do meu interior.
Berloque-Homes
acenou com a cabeça, inteligente.
— Ontem,
ao voltar para casa, fiz funcionar o aparelho e qual não foi o meu espanto ao
verificar que o meu esqueleto todo tinha desaparecido. Venho encarregá-lo de me
procurar o ladrão e de me restituir o meu esqueleto, pois não tenho senão
aquele e faz-me uma falta dos diabos.
Berloque-Homes
acendeu um terceiro cachimbo ao meio da boca e disse:
— Vá
descansado. Amanhã terá o seu esqueleto.
O
homem saiu e Berloque-Homes tocou uma outra campainha. Pelo buraco da fechadura
da porta falsa de uma caixa de rapé Luís XV, que estava sobre uma étagère, entrou imediatamente o seu
discípulo predilecto, que se chama Saraiva em inglês.
— Meu
caro, amigo! — disse-lhe Berloque. — Um homem acaba de sair, quem roubaram o
esqueleto. Vou, na forma do costume, pendurar-me de cabeça para baixo no
candeeiro da casa de jantar, a fim de fazer algumas deduções.
— Mas,
mestre — perguntou o fiel Saraiva assaz sagaz para que toma essa posição?
—
Porque assim todo o sangue me desce ao cérebro e lhe fornece uma actividade
excepcional para resolver certos problemas.
— Ah!
exclamou em inglês o Saraiva, sempre discípulo fiel.
Passadas
dezoito horas de penduração e de ponderação, Berloque-Homes disse serenamente:
— Não
acredito num roubo.
—
Porquê, mestre?
— Em
face da lógica quem pode ter interesse em roubar um esqueleto, quando este não
seja uma curiosidade anatómica? O dono dos ossos é uma criatura normal. Logo
concluo que não houve roubo.
— Ah —
exclamou o Saraiva maravilhado.
— Vá
já no meu automóvel de 1500 H. P. perguntar o senhor se tem o costume de dormir
com a boca aberta.
Passados
uns três minutos, o discípulo predilecto estava de volta. Fora aos arredores de
Edimburgo, a Odiwells, falar ao senhor roubado que lá morava e, ao entrar,
exclamou:
— Oh!
Tínheis razão, mestre. O homem costuma dormir com a boca aberta.
— Veja
qual foi a temperatura média na noite do roubo, — ordenou Berloque.
— Doze
graus acima de zero e à sombra — verificou o discípulo no almanaque do Borda
d'Água londrino.
Berloque-Homes
sorriu e ficou silencioso.
Passado
um momento, o grande polícia perguntou ao seu discípulo.
— Que
lhe parece?
— Nada,
— disse o assaz sagaz Saraiva, que era estúpido como uma porta.
— Pois
vou dizer-lhe o destino que teve o esqueleto do homem. Reparou como ele era
magro? Tem, a bem dizer, só a pele e o osso. Muito bem. Para mais nasceu num
clima quente…
— Como
o sabe?
— Pois
não viu que o homem é preto?
— Não
notei, não.
— Pois
é uma coisa que uma pessoa, desde que seja um pouco observadora, descobre logo.
Muito bem. O esqueleto desse homem, vindo de um clima quente e não tendo senão
a pele para se cobrir, começou a sofrer de ataques de frio, sobretudo na noite
em que desapareceu.
— Estou
percebendo — exclamou o discípulo para ser agradável ao mestre.
—
Muito bem. Vendo que o seu dono não engordava e a temperatura não subia, o
esqueleto deliberou abandonar o corpo onde estava padecendo. E, tendo
verificado que o homem dormia de boca aberta, foi por aí que, durante o sono do
proprietário, ele se evadiu.
— Oh!
— exclamou mais uma vez o sagaz Saraiva.
— Resta
apenas procurá-lo agora num sítio agasalhado.
Nisto
bateram à porta. O Saraiva, tendo-se imediatamente disfarçado em criança de
sete anos, foi abrir. Era o dono do esqueleto.
— Meu
caro senhor — explicou-lhe Berloque-Homes, — já calculo onde está o seu
esqueleto.
— Também
eu, replicou o homem.
— Como
assim?
— É
verdade. Depois de sair daqui, lembrei-me que ontem quando voltei para casa,
vinha absolutamente embriagado. Nessas condições, peguei no primeiro objecto
que apanhei à mão, cuidando ser o aparelho dos raios X. Ora, tendo deitado a
unha a uma caixa de bolachas, o meu erro levou-me à conclusão que me tinham
furtado o esqueleto. Hoje, porém, fazendo funcionar o verdadeiro aparelho, vi
que tinha cá todos os meus ossos. Meu caro senhor, desculpe a maçada e toque
nestes.
O
homem saiu, Berloque-Homes sorriu, sorriu e ficou silencioso.
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