28 de fevereiro de 2013

EFEMÉRIDES - FEVEREIRO (1)

PATRICIA HIGHSMITH POR FRANCISCO PORTEIRO

Patricia Highsmith (1921 – 4 de Fevereiro de 1995)

Patricia Plangman nasceu em Fort Worth, Texas, EUA, a 19 de Janeiro de 1921. A sua infância, atribulada fruto de ser filha de Jay Bernard Plangman e Mary Coates, dois artistas, que se separaram cedo, sofreu inevitavelmente com essa separação. A adolescência foi passada no Julia Richman High School, em Nova Iorque, donde transitaria para o Barnard College na mesma cidade.
Assumiria o nome do seu padrasto tornando-se definitivamente Patricia Highsmith, embora tenha escrito um único romance sob o pseudónimo de Claire Morgan.
Em 1963, já no auge da carreira, muda-se para a Europa, atraída pela sensação “de um passado histórico muito denso” como afirmou em tempos.
Salzburgo, na Áustria, é a sua primeira morada, “por causa de Mozart”, como também afirmou. Positano e Veneza foram os locais posteriormente escolhidos por Patricia, mas seria em Earl Soham, em Suffolk, Inglaterra, que ela passaria dez anos da sua vida. Para trás ficava “Spider” a sua companhia de longos anos, interditada de entrar em Inglaterra pelas autoridades sanitárias. Dai a sua dedicatória em a “Cela de Vidro”, datado de 1964.
Fontainebleau, junto ao Sena, será a sua próxima morada, já no início dos anos setenta. Entrando no ciclo do decénio, muda-se novamente para Locarno, na Suíça, onde viria a morrer no respectivo Carita Hospital das Cáritas em 1995.
Tímida e reservada, “se tenho de falar de mim, ao fim de duas horas vejo-me em apuros…” sempre preservou a sua intimidade solitária, tinha nos seus jardins o refúgio que tanto apreciava. '
“A loucura da normalidade”, foi sempre um dos Ieit-motivs dos seus romances, que ela própria não considerava policiais: “a morte não me interessa, é o desenvolvimento da culpa que me fascina”.
A sua carreira literária inicia-se com “Strangers on. a Train” em 1950. Ligado por contrato à Warner Brothers, Alfred Hitchcock devora o romance, então duma nova e desconhecida autora. Associado a Raymond Chandler, pela indisponibilidade do seu argumentista preferido, Ben Iletch, rapidamente surgiram cisões entre duas fortíssimas personalidades, tendo Czenzi Ormonde, colaborador próximo de Hetch, ficado com a tarefa de construir o argumento. Com a participação da filha de Hitchcock, curiosamente também ela Patricia, num misterioso e brilhante papel, o filme estreou em 1951, tornando-se, contra todas as expectativas, num êxito colossal. A carreira de Patricia Highsmith estava lançada com este êxito fulgurante. Segue-se “The Blunderer”, logo adaptado cinematograficamente, para em 1955 surgir “The Talented Mr. Ripley”, e com ele o misterioso psicopata Thomas Ripley. Em apenas cinco anos, Patricia Highsmith atingia a notoriedade e o sucesso, abrindo novos horizontes ao romance policial. Numa fase em que o romance clássico prosseguia o seu rumo com Christie ou Stout já há muito no auge da fama; quando pontificavam com sucesso neo-clássicos como Ellery Queen; enquanto que o romance negro, com alguns poucos autores como Jim Thompson, se abastardava com o pleno da guerra fria e dos seus filhos dilectos como Spillane; Patricia Highsmith, em apenas três romances e cinco anos, dava consistência ao chamado “romance policial psicológico”, que teve em James Cain (sobretudo com “The Postman Always Rings Twice”) e Horace McCoy (com “They .Shoot Horses Don't They”) em meados aos anos 30, e no decorrer dos anos 40 autoras como Charlotte Armstrong, Vera Caspary ou Margaret- Millar, o seu embrião. Nada de detectives clássicos, onde a dedução e o jogo lúdico, cúmplice com o leitor tomavam a primazia; nada de “privit eyes”, paladinos da justiça, contra uma sociedade corrupta e cancerosa; nada de detectives privados onde o “Blood, sex  & violence” era o lema; apenas pessoas, sob cuja capa de aparente normalidade se escondiam os dramas mais angustiantes e os crimes mais violentos. Afinal de contas, a violência existe nas ruas ou no interior de todos nós?
Desta perspectiva do romance policial sairá o romance de suspense tão sublimemente representado nos grandes ecrãs com as obras-primas de Hitchcock. Á manutenção da atenção do leitor não através do que sucede, mas através do que pode vir a suceder, tem não só em Patricia, mas em nomes como William Irish, Fredric Brown, ou Bill Ballinger, entre outros, a sua expressão máxima.
Em 1977, Patricia publica talvez a sua obra-prima: “Edith's Diary”. A história de 20 anos duma mulher enlouquecendo à medida que vai construindo o seu mundo de fantasia alternativo. Por forma a combater a monotonia da sua vida terrena, Edith constrói um mundo irreal no seu diário, o seu ideal de vida. Conjuntamente com “People Who Knock on the Door” (1983), e “Found in the Street” (1987), Patricia Highsmith eleva o suspense a novos níveis, misturando os ingredientes clássicos do género com análise política e social.
Traduzida em mais de vinte línguas, ela foi sobretudo relevada pelos europeus, que lhe conferiram a dimensão e viram nela a inovação de que o romance policial na altura necessitava. Não é por acaso que o primeiro grande prémio que recebe é o “Gran Prix de Littérature Policière” em 1957, seguindo-se-lhe o “Silver Dagger” atribuído em 1964 pela britânica Crime Writters Association, não sendo também ocasional, que tenham sido grandes realizadores europeus a adaptá-la cinematograficamente (Alfred Hitchcock é, ele mesmo, britânico e estava há pouco nos EUA quando leu “Strangers on a Train”). Não é, também, por acaso, a “atracção” que Patricia sentiu pela Europa, quando já tinha conquistado a fama além-mar. Nem é também por acaso que um dos seus últimos livros publicados, exactamente o último Ripley, “Ripley Under Water” (1991) é dedicado aos “mortos e moribundos da Intifada e dos Curdos, aos que lutam contra a opressão seja em que terra for e se levantam não somente para serem contados, mas também para serem abatidos a tiro”.
Thomas Ripley será um paradigma desta realidade?


THOMAS RIPLEY: PERSONAGEM DE PATRICIA HIGHSMITH

Thomas Ripley é um dos heróis mais estranhos da Literatura Policial, mais ainda que Raffles, o “gentleman-cabrioleur”. Jovem americano, sem nada que aparentemente o faça sobressair dos demais, é um ser humano permanentemente angustiado e inquieto, com uma vida extraordinariamente excêntrica, capaz de levar a cabo as maiores monstruosidades sem que nada de mais transpareça.
A mais bizarra das suas aventuras talvez seja a primeiro. “The Talented Mr. Ripley” (1955) é, sem dúvida, uma das obras-primas do policial. Contratado para se deslocar à Europa em busca dum filho dum casal riquíssimo de Boston. No final, não só o matara, como forjara um testamento a seu favor, que lhe garantiria independência financeira para o resto da vida, sem grandes pruridos de consciência.
Em “Ripley Under Ground (1970), a sua segunda aventura, Tom torna-se um dos sócios encapotados da The Buckminster Gallery em Londres, especializada em falsificações de Derwatt, um pintor surrealista. Entretanto, ajudava um seu amigo em algumas negociatas obscuras na Alemanha, enquanto gozava a vida de casado com Heloise, num bairro burguês suburbano de Paris. Apesar de continuar a violar a lei, a sua vida continua a prosperar na vila de Belle Ombre, prosseguindo nos seus crimes a quem ameaça a sua segura e confortável existência. A partir deste romance, a sua existência como homem casado, e os seus regressos a Belle Ombre depois das divagações pela Europa e América, diluíram um pouco a tensão existente no primeiro romance, por tornarem quase óbvio que Ripley não mais seria apanhado pela lei, apesar de sobre ele pender uma nuvem de suspeita, constantemente vigiado pela polícia, e apesar do número de desaparecimentos misteriosos aumentar sempre que Ripley se encontrava por perto.
Seguiram-se-lhe três aventuras que não são mais que a natural continuação de um êxito do passado, com os pecadilhos que foram apontados anteriormente. Ripley’s Game” (1974), “The Boy Who Follwed Ripley” (1980) e o “Ripley Under Water” (1991).
O que torna, apesar do já apontado, fascinante nos romances com Tom Ripley, é a sua atitude para com a morte e o crime. Sofre momentâneos rebates de consciência, mas sempre percorre os trilhos de sangue que deixa para trás com evidente facilidade. E aqueles que à volta dele têm conhecimento dos seus actos, parecem pouco preocupados com esse conhecimento. É como se o mundo criado por Highsmith para os seus personagens estivesse isento de culpa.

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