Fado do Cacilheiro
Um banco de jardim pode ser o começo de uma bela relação. O Alferes Sesinando esparramado no banco de tiras de madeira olhava embevecido Milú e seu canito Lanudo.
Pelo canto do olho fazia-lhes o retrato. Media a cena e com
voz melosa para boi dormir tentou uma aproximação já mais que vista, mas de
resultados certos e garantidos.
− Desculpe o
meu atrevimento mas a menina Milú por acaso não mora no Bairro de Alvalade? É que
a sua cara não me é estranha…
− Não, enganou-se.
Moro na Avenida de Roma, ali ao pé do Hospital dos Malucos, o Júlio de Matos.
Conhece?
Hospital Júlio de Matos Fonte: Blogue Restos de Colecção |
− Mesmo
agora passei por lá, vim a pé desde o Martim Moniz, para ver como Lisboa já
mudou neste 3 anos que estive fora na guerra em Angola. É uma zona muito chique!
− Lá isso é
verdade! Só mora ali gente boa e simpática. Eu vivo com um construtor civil, um
homem já de uma certa idade e que anda sempre por fora. Agora está em Cabo
Verde a construir um “resort” de luxo. Só cá vem de dois em dois meses. Eu
tenho a companhia do Lanudo. Vivo muito só!
− Está como
eu. Não se queixe. A vida é assim. Mas agora me lembrei…eu ainda não me
apresentei. Sou o Alferes Sesinando. Cheguei ontem no navio Niassa. Ando a ver
se localizo o Retiro do Quebra Bilhas. Disseram-me que fazem lá umas iscas como
não há outro restaurante em Lisboa. A menina conhece?
− Se conheço
o Quebra Bilhas? Conheço lá eu outra coisa! Até já lá cantei!...
Quebra Bilhas em 2016. Foto de Onaírda |
− Não me
diga. Então está já convidada para lá irmos almoçar. Mas ainda é tão cedo, a
menina já andou aqui no lago nos barquinhos? É aqui tão perto. Mesmo ao lado.
Podíamos dar ali um passeio. Eu remava e a menina pegava no Lanudo
− Nem
pensar. Tenho um medo do mar e depois nem sei nadar…
− Lá por
isso não seja obstáculo. Acontece que o lago tem água mas dá-lhe pelos joelhos,
ninguém lá morreu afogada.
−Ah. Julgava
que fosse mais fundo. Nunca lá fui. Barco para mim só o cacilheiro.
Lisboa – Cova do Vapor. Praia. Sol. Calor. Verão.
− Bem então
vamos dar uma voltinha e eu canto-lhe o Fado do Cacilheiro enquanto remo. Era
romântico não acha?
Milú pensou um pouco e depois cedeu. Estava danadinha para
dar uma voltinha acompanhada do simpático Alferes. Depois, ele cheirava tão
bem. Ou seriam as flores do jardim? Ali ao lado havia um roseiral.
O encarregado dos botes indicou um azul celeste e lá entrou
o alferes que deu a mão à Milú que apertava assustada o Lanzudo contra o peito.
Com duas remadas fortes do alferes o bote seguiu o seu
caminho e Milú sorriu encantada. Nunca fora no bote. Era a primeira vez! E
estava a gostar.
Fonte: Portugal em Postais Antigos |
Sesinando começou a trautear o velho fado do Cacilheiro. Um
êxito revisteiro.
Video: Zé Cacilheiro (José Viana)
O céu estava azul e fazia calor. A primavera já ia longe e o mês de Junho começava a aquecer o ambiente.
Milú encantada deu folga à trela e o Lanzudo vendo o espelho
de água enervou-se. Começou a rabiar e saltou para a água. Milú tentou
apanhá-lo e desequilibrou o barco que perigosamente balançou. O Alferes
Sesinando tentou agarrar a Milú e o barco balançou ainda mais bruscamente. Em
dois segundos todos estavam a boiar no lago.
Era o fim da picada!