O que escreve ZÉ (Gustavo Barosa) sobre os
"150 ANOS DE MISTÉRIOS DE CRIMES IMPOSSÍVEIS NA FICÇÃO POLICIÁRIA"
“Sou um ardente
entusiasta de todas as coisas estranhas e curiosas e mesmo, para dizer a
verdade, de tudo o que exercita e diverte o espírito”
Não tenho dúvidas de que este
parágrafo de Fernando Pessoa (in – Histórias de um Raciocinador, editora
Assírio e Alvim) se aplica, na perfeição, a M. Constantino (Manuel Botas
Constantino) mas também a milhares de pessoas que, desde há muitas décadas, se
têm dedicado, no nosso país, à prática do exercício mental a que nós, seus
cultores assumidos, chamamos Problemística Policiária ou, quotidianamente,
Policiário…
Para mim, mais do que um desporto ou
passatempo, a Problemística policiária é um género literário. E um género
literário que só existe em Portugal, pelo menos com a dimensão que vem
atingindo, desde a dúzia de pioneiros (a quem saúdo e recordo) até aos milhares
da Secção “Público Policiário” dos nossos dias.
Considero-o um género literário
porque, para além dos requisitos dos outros (ficção, qualidade estilística, domínio
vocabular, trabalho da acção …), possui uma característica peculiar – a interacção!
A Problemística Policiária parte de um texto-provocação (o problema) mas só se
completa com um texto-reacção (a solução). E, se conhecemos muitíssimos
problemas com uma literariedade muito alta (quando o autor tem espaço para
trabalhar bem a mensagem), também (pelo que fui lendo) muitíssimas soluções têm
esse mesmo nível.
Talvez um dia, alguém, no futuro,
“descubra” este género e o trabalhe, academicamente. Material não faltará e
nesse trabalho, para além dos jornais regionais e do “Público”, serão preciosas
as recolhas do Jartur e o enquadramento teórico, análise e cronologia histórica
do Constantino.
M. Constantino passou grande parte
dos seus 90 anos a recolher livros e textos policiais (nacionais e estrangeiros)
mas foi muito mais longe – teorizou sobre eles, exemplificou, comentou e
divulgou as suas análises, tornando mais claro perceber como se constrói uma
acção policial.
Grande (muito grande) produtor, não
sei se foi solucionista. Mas sei que, frequentemente, as soluções que apresenta
não atingem o nível dos problemas que as originam. Creio que ao nosso querido
amigo interessa muito mais construir uma bela casa do que habitá-la…
É bem conhecida (e indisfarçada) a
sua maior paixão – o “crime impossível”, de que os de “quarto fechado” serão os
mais conhecidos. É aí mesmo que o trabalho de criação e condução da acção tem
de ser altamente minuciosa, de modo a atingir a utópica situação de
impossibilidade de resolver o mistério proposto: ou seja – para um crime impossível
… uma solução impossível!
Brindou-nos, há dias, o nosso velho
amigo com a publicação de mais um livro – “150
anos de mistérios de crimes impossíveis na ficção policiária”.
Sendo um livro temático (sobre o
crime impossível), não deixa de ser a síntese histórica do conto social, de
onde partiram o romance policial e o problema policiário.
Coloca-nos o autor em 1841, quando
Allan Poe publicou Os Crimes da Rua
Morgue, que reconhecemos como o embrião da narrativa policial/policiária
(pelo menos, o mais emblemático).
A partir daí (e depois de teorizar
sobre o seu conceito de crime) envolve-se, profundamente, nas técnicas do
“crime impossível” (com exemplos e explicações muito claras) e na sua evolução
cronológica, desde a primeira década do século passado até aos anos 60, que o
autor classifica como o início da decadência do enigma, numa “evolução” para o
romance mais “negro”.
É mesmo uma delícia ir desfolhando o
livro e vendo citados todos os grandes (e menos grandes) autores que fizeram a
formação policiária de todos os que gostamos muito do género…
A parte final é a que diz respeito a
Portugal, com início em o Mistério da
Estrada de Sintra (da dupla Eça de Queiroz/Ramalho Ortigão) e apontando os
nossos faróis - do Repórter X a Strong Ross, não esquecendo aquele que é, para
mim, o primeiro grande teorizador do texto Policiário – Fernando Pessoa, com as
Histórias de um Raciocinador e Quaresma Decifrador, a que me permito acrescentar
um texto fundamental mas muito menos conhecido – o ensaio “História Policial”, eventualmente
incompleto, publicado a partir de manuscritos (em Inglês e Português), o que
mostra que Pessoa conheceu (e leu) os grandes mestres, sobretudo de língua inglesa.
M. Constantino fecha o livro com dois
excelentes textos, uma homenagem a Artur Varatojo e uma referência a Sete de
Espadas, o grande aglutinador da nossa tribo policiária.
Um livro que se lê sem parar. Foi escrito
para ficar e ser outro a recordar um dos vultos maiores do policiarismo
português. Constantino é um valor de referência e consulta obrigatória na
divulgação histórica da literatura Policial/Policiária e na análise exaustiva
do seu tema de culto – “o crime impossível”.
Muito obrigado, velho Amigo. Ficamos
à espera das próximas obras…
Um abraço do Zé