RECORDAÇÕES
HOLMESIANAS (6 - 3ª PARTE)
PASTICHE / PARÓDIA — A AVENTURA
DO ESCONDERIJO DE PARADOL
“The
Adventure of the Paradol Chamber” é uma pequena peça teatral do famoso escritor
John Dickson Carr, incluída na Ellery
Queen Anthology, de 1942, “The Misadventures of Sherlock Holmes”, foi representada
pela primeira vez em 1949, no encontro anual dos Mystery Writers of America.
Tradução
e organização de M. Constantino.
A cena representa a sala de estar de Sherlock Holmes
em Baker Street, 221B. Distinguem-se na penumbra dois vultos e o som leve de um
violino. Acima de qualquer ruído, o narrador desconhecido procede à leitura:
“Encontro escrito no meu caderno de notas que o caso
ocorreu numa tarde do mês de Agosto do ano de 1887. Durante todo o dia,
Sherlock Holmes havia estado distraído e de mau humor. Ao entardecer, agarrou o
violino e, sentando-se na sua poltrona, com os olhos cerrados, arranhou suavemente
as cordas do instrumento. Os sons, ora suaves, ora profundos e melancólicos,
cortavam o silêncio”.
As luzes acendem-se, lentamente… Holmes e Watson
estão sentados em lugares opostos da sala. O violino termina num suave
sussurro. Watson — em êxtase — deixa cair o Daily Telegraph para o chão.
Watson — Caro Holmes, o seu virtuosismo não tem
rival. Queira continuar, por favor!
Holmes — Não estou de humor para isto, Watson (põe o
violino sobre a mesa e levanta-se). A minha mente está demasiado torturada com
esta obsessão.
Watson (divertido) — Não pode ser. Outra vez? È por
virtude do Professor Moriarty?
Holmes — È o Napoleão do Crime, Watson Atrevo-me a
apostar qualquer coisa, em que encontrará nesse mesmo jornal, que é o primeiro
que os seus olhos alcançam.
Watson — Por Deus, Holmes! (pegando no jornal). Está
aqui algo curioso!
Holmes — Rápido, Watson, leia!
Watson (lendo) — “Lord Matchlock, Ministro dos
Negócios Estrangeiros, teve um colapso quando se dirigia a Constitution Hill,
depois de abandonar o Palácio de Buckingham. Não obstante notícias de última
hora afirmam que o seu estado é satisfatório.”
Holmes — Maravilhoso!
Watson (continuando a ler) — “os senhores Lestrade e
Gregson, da Scotland Yard, difundiram uma estranha notícia. Lord Matchlock num
dia de calor intenso, levava um grosso casaco de lã, colete e gravata Ascot,
uma grossa camisa de lã e botas Hassan, por isso…” (reagindo à notícia) Caro
Holmes, que mal há nisso?
Holmes — É uma velhaquice!
Watson — Holmes, encontra alguma coisa de estranho?
Holmes — Não levava calças, Watson, Lord Matchlock
não levava calças!
Watson (parecendo embaraçado) — Mas isso é
maravilhoso, Holmes?
Holmes — Elementar, meu caro Watson! Mas não a falta
de sentido; naturalmente a Scotland Yard nunca vê nada.
Watson — Porém, porque ia Lord Matchlock, Ministro
dos Negócios Estrangeiros sem calças?
Holmes (escutando passos) — Aí vem, creio, a chave
do nosso problema!
(ouve-se bater à porta)
Watson — Um cliente, Holmes…
Holmes — Talvez traga resposta à nossa interrogação.
(Watson abre a porta e entra Lady Imogene Ferrers
num estado de terror mal contido. Traz um embrulho médio em papel de jornal,
olha para um e para outro dos homens, finalmente decide-se…)
Imogene — O senhor é Sherlock Holmes?
Holmes (tranquilizante) — Acalme-se, por favor,
minha senhora. Watson, uma cadeira para a senhora. (Watson aproxima-se com a
cadeira) — uma chávena de chá não lhe fará mal de todo. Parece-me nervosa.
Imogene — É o medo senhor Holmes. É o terror. Eu sou
Lady Imogene Ferrers. O meu pai, Lord Matchlock, Ministro dos Negócios
Estrangeiros.
Watson (com raiva aparente) — Roubaram as calças ao
seu pai?
Imogene — Os senhores devem ser adivinhos! Vim aqui,
senhor Holmes, para lhe entregar isto (passa a Holmes um par de calças contidos
no embrulho)
Watson — Céus! Um par de calças!
Holmes — São estas as calças do seu pai?
Imogene — Não, senhor Holmes. Não! Até este momento
não tinha a menor ideia que o meu pai andasse sem calças.
Holmes — Então como chegaram estas à sua posse?
Imogene — Esta manhã, senhor Holmes, atiraram um par,
esse par de calças, por uma janela superior do Palácio Buckingham. Vi-as cair…
Watson — Holmes, Algum demónio que se dedica a
roubar as calças no meio de Londres!
Holmes — Bem, Watson, não estou convencido de todo.
Posso confirmar o que é evidente? (examina as calças com a lupa, depois
dirige-se a Lady Imogene) — Palácio Buckingham, foi o que disse, não é verdade?
Imogene — Sim senhor Holmes. O meu pai foi lá para
uma conferência com o novo embaixador francês, Monsieur Paradol, e sua Majestade,
a rainha, creio. Acredito que se trata de um pacto secreto entre a França e a
Grã-Bretanha. Pode imaginar a minha angústia, o meu terror, quando vi as calças
voarem pela janela de sua majestade!
(Ouve-se um ruído lá fora)
Holmes — Rápido, Watson! Esconda a prova! (entrega
as calças a Watson, que as esconde entre a casaca e a camisa, depois dirige-se
para a porta)
Watson — Este não é um cliente corrente, Holmes.
Holmes — Fale claro, por favor!
Watson (abrindo a porta e curvando-se como um criado
— Sua Excelência o Marquês de Paradol!
(Entra o Marquês de Paradol, de chapéu alto e casaco
tipo imperial, olha para cada um e tira o chapéu)
Paradol — Senhores! Senhora! (curva-se)
Imogene (gritando) — O senhor veio aqui para
clarificar o tremendo enigma do Palácio Buckingham?
Paradol (com feroz dignidade) — Vim aqui, senhora,
para recuperar as minhas calças!
Holmes — Devemos entender que também as calças de
sua excelência desapareceram?
Paradol — Não, não desapareceram. No Palácio Buckingham,
na presença de sua Majestade, a rainha, roubaram-me as calças e atiraram-nas
pela janela.
Watson — Não é possível!
Paradol — Sim, é certo. Tudo sucedeu num momento. Vi
através de um espelho, seis homens mascarados e com barbas postiças,
dirigirem-se para mim, ameaçadores. Cumpri o meu dever! Gritei “Viva a França”
e fiquei sem calças!
Imogene — O senhor fez isso na presença de sua
Majestade?
Paradol — Sinto muito. Ela lançou um grito tremendo
e desmaiou sobre o sofá dourado. Devo pedir-lhe perdão, minha senhora!
Imogene — Não tem de pedir perdão por nada.
Paradol — Tenho de pedir-lhe perdão por haver tirado
as calças a de seu pai! Eram de vital importância para a minha vida. Veja,
senhora, tinha de vestir umas calças para poder sair.
Watson — Oh! Pioraram os serviços diplomáticos… porém,
por que queriam esses miseráveis roubar-lhe as calças?
Paradol — O senhor já ouviu falar do tratado Paradol—
Matchlock entre Inglaterra e França?
Imogene — O tratado secreto, creio.
Holmes — O tratado secreto, segundo presumo, estava
nas calças de Sua Excelência
Paradol (admirado) — Que homem! Que homem magnífico!
Que dedução!
Holmes (retirando as calças escondidas em Watson) —
Um esconderijo secreto de finíssimas lâminas de cobre ocultavam o tratado, que
devolvo a Sua Excelência. (faz uma vénia).
Paradol (pegando nas calças) — Senhor! Em nome do
meu governo, em meu nome e da França inteira eu … (detém-se e começa a examinar
as calças nervosamente)
Imogene — Está nervoso, senhor Paradol? Será que não
encontra o esconderijo secreto?
Paradol — O esconderijo, sim, mas o tratado
desapareceu!
Imogene — Desapareceu?
Watson — Desapareceu?
Holmes — não tenha dúvidas, meu caro senhor. O
tratado está nesta casa. Foi substituído por um ladrão e traidor!
Watson — Trata-se de Moriarty?
Holmes — Não se trata de Moriarty, não senhor.
Trata-se do seu lugar-tenente o segundo homem mais perigoso de Londres… Está
aqui! (arranca o bigode a Watson, que fica estupefacto).
Imogene — Então não é o senhor Watson?
Holmes — Não Lady Imogene, o verdadeiro Watson deve
estar amarrado e amordaçado. Apresento-lhe o coronel Sebastian Moran.
O falso Watson — Maldito Holmes! Devia acabar
consigo com uma bala!
Paradol — Mas como conseguiu suspeitar deste
miserável?
Holmes — De uma maneira muito simples. Quando Sua
excelência entrou e nomeou um facto que não era do conhecimento público, dei-me
conta da classe de homem que me acompanhava e dei-lhe uma oportunidade para
roubar o tratado. (Procura na roupa interior do falso Watson e recolhe, com
expressão de triunfo, um documento que entregou a Paradol.
Paradol — A aventura do esconderijo de Paradol.
O falso Watson — Não, maldita seja “a aventura das
calças de cobre”!
CAI
O PANO